NOSSAS MENINAS SÃO LINDAS
- Texto: Stephanie Ribeiro
- 8 de set. de 2016
- 5 min de leitura

Feia.
Macaca.
Nojenta.
Olha esse cabelo.
Penteia esse bombril.
Suja.
Foi em meio a esses tantos comentários que entendi que precisava me esfregar mais forte no banho para ver se minha cor mudava, penteava meus cabelos e amarrava longos tecidos para dar a sensação que eles balançavam. E finalmente recorri a químicas e alisamentos.
Eu não queria ser como eu era, e parecia que eu não podia ser como eu era.
A beleza segundo o dicionária é sinônimo de perfeição e harmonia, adiciono que claro é determinada e mais associada a uma característica que detêm um gênero como foco principal: Feminino. Não que homens não sejam belos, mas a beleza e a criação de padrões tem como foco atingir e moldar o comportamento social de mulheres ao longo de suas vidas. A construção social da estética considerada bela existiu em diferentes sociedades, na Grécia Antiga era um fator determinante dos privilégios que indivíduos teriam ao longo das suas vidas, ser forte e musculoso significava para homens ter uma vida mais plena e fácil em relação aos demais. Assim como ser robusta e branca a facilidade de se conseguir pretendentes para as mulheres.
A arte tanto entre os povos originários americanos, gregos, romanos, egípcios e civilizações modernas, registrou o que para cada civilização e, ou momento histórico era o ideal estético. E sim os padrões mudaram ao longo do tempo, mas o poder que a estética tem nas nossas vidas não, isso inclusive só se intensificou. Com a acessão dos discursos de empoderamento feminino e luta por direitos pelas mulheres, a estética passou a ser um dos principais instrumentos de controle feminino.

Ainda hoje, ser um ser humano alinhado ao padrão tido como perfeito, esse que por sinal continua sendo imposto por quem detêm poder social, estrutural e político, é o ideal para se ter uma vida plena de representatividade, acessos e bem estar físico e social. Quando pesquisamos no site Google: mulheres bonitas. Temos como resposta uma sucessão de mulheres brancas, magras, com cabelos longos e lisos/ondulados. Esse é o padrão mais forte atual, pois existem outros que vão coexistindo e que estão relacionados a este primeiro de forma intrínseca, e estar mais próximas das características citadas define se você pode ou não ser vista como “bonita”.
A minha experiência enquanto mulher negra é que a minha estética é analisada a partir da branquitude, mesmo que eu não seja uma pessoa branca. É isso que me faz muitas vezes ser vista até como uma “negra aceitável”, pois tenho características físicas que me concedem o privilégio de ser lida como “negra com traços brancos”, somado a isso ao fato de ser magra. Fui com o passar do anos saindo do status da menina feia do colégio, para o da “negra bonita”. Não me orgulho e nem acredito que há dentro desse rótulo a humanização que sujeitos merecem na sociedade independente do seu tipo físico, cor e gênero. Porém reconheço que essa estética é fator determinante na forma como me tratam, sendo muitas vezes mais agradável, gentil e com mais abertura do que com outras mulheres negras.
Segundo o IBGE, 27% da população brasileira é composta por mulheres negras, mas uma pesquisa chamada A cara do cinema nacional aponta as negras como minoria absoluta no cinema brasileiro, correspondendo a apenas 4% das personagens de filmes. O que essa pesquisa mostra, é que não existimos nos espaços que hoje definem o que é esteticamente um padrão, e quando existimos somos geralmente as que se alinham ao que definem como “negra bonita”, o que exclui negras gordas, de pele escura, traços negroides e com cabelos crespos. Recentemente usuários de redes sociais se referiram a Blue Ivy, filha dos cantores e produtores Beyoncé e Jay Z como sendo uma criança feia.

A Beyoncé é uma mulher negra de pele mais clara com traços e estética que se encaixam no que citei que é visto como “beleza negra aceitável”, em contrapartida o JAY Z tem como traços estéticos o que se entendeu por muito tempo na avaliação inclusive branca como estética negroide, essa que por sinal é tratada como inferior e feia. Só por isso as pessoas dizem: coitada da Blue que parece o pai e não a mãe. Ou ficam comparando ela com crianças negras que são frutos de relacionamentos inter raciais e acham legítimo dizer que Blue é de beleza inferior. Evidenciando a ideia que a beleza negra só é legítima quando existe algum tipo de "toque branco". No fundo é o velho e puro racismo que chega em níveis absurdos quando fazem uma petição pedindo para Beyoncé penter/prender os cabelos crespos dessa criança. É tanta crueldade que enoja, uma menina de quatro anos é ofendida publicamente e taxando de feia. Beyoncé diate dessas críticas recorrentes não esconde a filha e seus traços, além de reafirmar que gosta muito deles como fez na música Formation. Uma artista de proporções gigantes, mostrando a filha com orgulho é representativo para tantas crianças negras que até por partes dos pais sofrem racismos diários.

A televisão, filmes, séries, novelas, propagandas, são esses meios e mídias que fazem o papel das pinturas na sociedade contemporânea e deveriam não nos esconder para que crianças negras não tivessem que passar por situações tão traumáticas. Se não estamos nesses espaços na nossa multiplicidade, não estamos no imaginário da população, sendo assim não estamos incluídas. A nossa estética é impossibilitada de coexistir com as demais, ela é constantemente negada, essa falta de nos ver gera problemas muito sérios de autoestima e identidade. Afinal, como se sentir bonita num mundo que te esconde, nega, ofende e consequentemente te oprime? O processo de insensibilização é na verdade um processo de desumanização, calcado na manutenção do poder de apenas um grupo sobre os demais indivíduos.
Eu diria que esse é um dos motivos para meninas negras logo que atingem certa idade, optarem por alisar seus cabelos crespos, usarem filtros em fotografias para parecerem mais claras, ou, como vinculado em notícias recentes, passarem cremes que clareiam sua pele de fato. Um amigo me confidenciou que a irmãzinha dele de apenas 14 anos é vítima de cometários que ofendem sua estética de mulher negra no colégio. Em decorrência disso, ela se nega a tirar fotos ou usar roupas que “chamem atenção”. O problema é que ela não é uma, mas várias. É só olhar essa mensagem que encontrei circulando na internet:
“Meu sonho é alisar meus cabelos. Tenho dez anos, sou negra e sofro bullying de meus colegas. Meus pais não têm condição de me levar a um salão de beleza. Por isso, pedi para a minha dinda escrever” (Kauane, Porto Alegre).
Essas histórias são muito tristes, e estamos falando apenas da realidade de negação estética para mulheres negras, quando pensamos que existem mulheres gordas, mulheres negras e gordas, mulheres com cabelos crespos, mulheres indígenas, mulheres que não estão dentro da caixinha excludente do que é “belo”, percebemos que o poder de controle do padrão estético está no fato dele não ser acessível para todas. Por isso questionar a necessidade da existência de padrões é possibilitar que ninguém controle nossos corpos, autoestimas e amor.
Então por favor, deixe as nossas crianças em paz.
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