top of page

NÓS NEGROS NÃO MORREMOS SÓ DE TIROS: TENHO DEPRESSÃO

  • Stephanie Ribeiro | Arte: Ana Maria Sena
  • 20 de jun. de 2016
  • 9 min de leitura

Como lidar com o racismo? Me pergunto isso diariamente e incansavelmente… e confesso que não sei a resposta. Optei por falar sobre racismo para compreender e enfrentar o racismo que vivencio e testemunho diariamente, entretanto mesmo que não sejamos diretamente ativos no ativismo nós negros estamos sempre resistindo para existir.


Sinto-me fadigada, desamparada e com medo até de sair de casa e encarar o mundo, parece que fora da minha zona de proteção não há um dia sem sufoco, perturbação, dor e racismo, e esse no caso, quanto mais consciente nos tornamos, paralelamente percebemos o quão é constante e devastador são as violências que presenciamos ou sofremos. Temo até compartilhar com outros o que me causa tanta tristeza e ninguém ser capaz de compreender, afinal muitos tratam depressão como “frescura” e racismo como algo que se você for “superior” nos estudos, no trabalho, etc, será vencedor, além de absurdo é um discurso meritocrático violento.


Vivemos numa sociedade que traz em si as marcas de quase 400 anos escravizando pessoas como nós, portanto as consequências desse processo são enormes. Uma delas é a criação de esteriótipos que recaem sobre nós assim que somos entendidos como negros. Como não abordar a pressão que sofremos diariamente, como conviver com essas marcas que são nossos esteriótipos diários que insistem em estampar em nossos rostos em espaços sociais como:


Negros são bandidos.

Negros são safados.

Negros não se esforçam.

Negras são boas de cama.

Negras são barraqueiras.

Negras são raivosas.


Esses são apenas alguns dos estigmas que nos são dados, só por sermos negros, e um dos que mais consigo me identificar é : “Negros precisam ser fortes”.


E ser forte é não chorar, não ceder, não mostrar o que se sente mesmo em situações mais adversas sem demonstrar que foi impactado.


“A ilusão de força tem sido continua a ser de significado maior para mim como mulher negra. O mito que venho tendo de suportar toda minha vida é o do meu suposto direito inato à força, Supõe-se que as mulheres negras sejam fortes - amparadoras, nutridoras, que curam outras pessoas -. qualquer uma da infinidade de variações da mammy. Supõe-se que a dureza emocional seja construída na estrutura de nossas vidas, está ligada ao fato de eu ser ao mesmo tempo negra e mulher.” Willow Weep for Me, por Meri Danquah.


Portando, concluo que essa imposição do “seja forte” é extremamente danoso para nossa saúde mental. Pois ela impossibilita que acreditemos que estamos doentes quando estamos tristes constantemente.Segundo Meri Danquah: A depressão clínica simplesmente não existia dentro da esfera de minhas possibilidades, ou na esfera das possibilidades de qualquer mulher negra no meu mundo.


Corriqueiramente sinto me estafada, frequentemente me encontro chorando escondida, após uma crises de ansiedade e sinto me culpada por estar cedendo as lágrimas e a tristeza.


Eu queria chorar sem parar e sem culpa.


Por diversas vezes sinto vontade de ser fraca, mas algo constante impede , uma sentimento de sufoco doloroso. O pior não é ter medo do que já aconteceu, mas sim saber que não podemos nem chorar por isso, como guardar todas mágoas e deixar elas irem crescendo e as vezes dominando a gente, porque o medo de falar e expor é enorme. Acabei me acostumando a ser uma pessoa tímida que, por outro lado no espaço virtual, é bem exibida pois é dessa forma consigo falar sobre racismo e machismo, que me atingem diariamente por textos, vídeos, posts, etc.


Ser forte não é bom para mim enquanto mulher negra. Pois ser forte é negar minha humanidade.


Essa cobrança da mulher negra que não sente e lida bem com tudo, é resquício da ideia que somos mais objeto do que gente. Existem dores na minha alma que me fazem querer chorar e ficar só. E sobre isso, é bem mais complexo falar, mas preciso me permitir apenas ‘Sentir’.


Eu peço que me permitam não ser apenas forte, por favor.


NÓS, NEGROS, E A FALTA DE AMOR


“O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância.” Demônio do meio-dia. Uma anatomia da depressão, por Andrew Solomon.


Os desprivilégios que nós, negros, compartilhamos, independente do gênero, é o de não saber amar. Somos em geral frutos de lares destruídos pelo racismo, de famílias que contam apenas com uma mãe sobrecarregada, ou que convivem com agressões físicas sendo naturalizadas. Quando pensamos numa família perfeita e repleta de amor, a imagem que nos vem à cabeça, imediatamente, é aquela imposta pela mídia: pessoas brancas felizes com dois filhos e um cachorro.


Parece que para pessoas negras o amor é algo distante demais. Se fôssemos enumerar quais as barreiras que o racismo nos coloca, citaríamos educação, salários, representatividade, entre outros campos. Mas nunca lembraríamos o campo afetivo. E é nessa categoria que muitas vitórias racistas se acumulam, afetando nossa saúde psicológica por nos fazer carregar repetidas frustrações e aceitar reproduções de relacionamentos abusivos. Tudo isso em silêncio, como se não existisse um problema estrutural. Já que amor é “bobagem” e não se discute, ainda mais entre negros educados para serem “autosilenciados” com medo de não serem tão “fortes” assim.


Em Vivendo de Amor, Bell Hooks (2006:188), afirma que “muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor”. E esse é um reflexo de um desprivilégio da mulher negra, o da não escolha sobre si mesma, que somado com as imposições das visões criadas sobre nós pelo imaginário racista: somos os símbolos sexuais quentes, estereótipo criado para justificar historicamente os estupros sobre nossos corpos. Ou pior, apenas servimos para nutrir, como amas-de-leite. Entre os homens negros é comum na construção da masculinidade o silêncio. Homens que não falam entre si, homens que não falam sobre si, homens que não falam sobre o que sentem, homens que realmente não podem mais disfarçar para chorar. Homens que buscam a saída para isso tudo, de forma violenta com si, ou com quem está próximo.


"Não há muitos lugares para mulheres negras deprimidas, mas não há lugar algum para um homem negro deprimido." Willow Weep for Me. Meri Danquah.



ENTÃO NÓS SEREMOS SEMPRE PESSOAS DEPRIMIDAS ENQUANTO HOUVER RACISMO?


Descobri a depressão no terceiro ano da faculdade, chorava sem parar desde o segundo ano, rotineiramente me sentia triste em muitos momentos e não entendia a necessidade de respeitar meus limites. Logo no primeiro ano eu fui para o hospital depois de ficar 48 horas sem dormir e urinar sangue. Sem conhecer os limites do meu corpo eu achava que deveria estar sempre bem, para poder competir em pé de igualdade com meus colegas e que eu tinha a obrigacao de esforçar mais, o que não era mentira, pois eu não podia dar motivos para uma pessoa branca que estava ali ao meu lado dizer que não era apta a ocupar aquele lugar, que meu posto não era meritocrático. Apenas não tinha parado para pensar em minha saúde física e psicológica teria que estar bem para competir em pé de igualdade afinal o sistema opressor sempre parece estar bem e saudável.


No segundo ano foi um dos anos mais difíceis, passei noites sem dormir eu chegava no final de semana com a família e só dormia. Eu não tinha momentos com minha família, eu estava ou sempre muito cansada, ou sempre me sentindo muito culpada por estar muito cansada e não conseguir fazer tudo como queria.


No terceiro ano letivo tive uma crise de ansiedade depois que perdi um passeio da faculdade, fiquei nervosa e me sentindo estafada, me machuquei. As coisas pareciam muito bebulosas e minha vontade de sair da cama era cada vez menor. Foi quando precisei ir para um hospital e me deram vários remédios. Nunca usei drogas nesse período por diversão, mas porque eu estava tão triste que precisava aguentar.As vezes só queremos paz e momentos calmos.


Além de toda a opressão que passamos, quando buscamos ajuda médica, e precisamos que algum medicamento como anti depressivo, ainda existe um preconceito, muitos não compreendem que em alguns momentos precisamos de medicamento e sugerem em forma de bullying pisicológico que não estamos no controle, por isso e tao difícil a busca por ajuda medica pois as pessoas pré estabelecem o que é depressão e não entendem que ela tem graus, tem causas distintas e processos de melhora também diferentes.


No começo desse ano estava bem abalada, não havia um dia na minha vida que não sofria machismo e racismo, e sim algumas vezes eu tive vontade de me matar. Não me culpo. Entendi que no fundo muita gente não quer morrer, mas quer atenção, afeto e cuidados e têm medo de dizer isso, até mesmo para ajuda especializada como é meu caso. Eu cansei, percebi que que isso é comum entre muitas mulheres principalmente negras que sofrem com racismo diariamente, por isso é preciso compartilhar, senti me na obrigação de dividir, pois nada que é comum é individual. Temos problemas parecidos, pois nossas vivências são semelhantes, por isso a culpa não é nossa.


Solomon em seu livro “O demônio do meio-dia, uma anatomia da depressão”, diz que por muito tempo as doenças mentais foram definidas por homens, eu diria que por muito tempo e ainda hoje as doenças mentais são definidas por homens e brancos. As consequências do racismo para a população negra são ainda pouco debatidas. Quem geralmente age nesse meio são psicólogos e psiquiatras negros, porém nem todo negro nesse campo tem plena noção do que é racismo. Já me deparei com uma psicóloga negra que me fez muito mal, ao negar que eu passava por racismo e me dizer que o problema era comigo e não com a sociedade.


Se fosse feito um estudo mais aprofundado no Brasil, focado apenas no recorte racial, seria nítido que muitos negros sofrem do mesmo mal devido às situações racistas que passamos ao longo das nossas vidas. Um artigo americano divulgado em agosto de 2014 na revita “ ciência Addictive Behaviors”, indica que dos 4,5 mil negros estudados, 83% afirmaram já ter passado por alguma forma de discriminação, contudo nos 50% que disseram sofrer todas as formas de racismo analisadas e nos 14,7% que afirmaram sempre passar por discriminação, se percebeu um comportamento parecido com quem perde um ente querido: uso de drogas, alcoolismo e depressão.


Não nascemos negros, mas nos tornamos Negros. E infelizmente ao contrário do que dizem, isso é extremamente devastador para a maioria, pois passamos a identificar de onde vem a dor, um exemplo foi a perda de Neusa Santos a autora do livro “Torna-se Negro”. Neusa se suicidou lançando-se do alto de uma construção, deixando apenas um bilhete pedindo desculpas por seu ato.


Neusa não é a única. Muitos depressivos não se suicidam, até porque existem diferentes graus da doença. Como Solomon pontua, o desejo suicida coexiste com a depressão. Porém quando nós negros falamos da ausência de afetividade, precisamos dar um passo que chegue nas doenças psicológicas, na culpa constante e no suicídio. Afinal o que leva um jovem negro ativista de 23 anos se matar e apenas deixar:


"Meus demônios ganhou hoje. Me desculpe " Marshawn McCarrel


Isso dói muto. Eu entendo ambos. Como diz Bell Hooks: "Quando ignoramos nossas reais necessidades, a tendência é nos fragilizarmos, nos tornarmos vulneráveis e emocionalmente instáveis. As mulheres negras se esforçam muito para esconder essa situação." E escondemos tanto que ela virá algo maior que nós.


Nós negros não morremos só de tiros.


Morremos quando nossa voz é tão silenciada, que aprendemos que não falar sobre o que dói não nos expõe e evita novos machucados, mas sofremos ao perceber que ao guardar os sentimentos nos autoflagelamos silenciosamente.


Eu me sinto sozinha. Mas não quero deixar um bilhete pedindo desculpas, por não ter aguentando.


As pessoas próximas que me amam geralmente não entendem, sempre acham que é questão de tempo. Me dizem: você é maravilhosa, melhora essa autoestima. Como se fosse simples. Fico horas sem dormir, choro sem motivo e tenho muita dificuldade de me alimentar. E sempre que alguém pergunta como estou, digo: CANSADA. Uma coisinha dá errado eu me fecho e choro, uma pessoa diz algo ríspido e eu me sinto um lixo e choro, um trabalho que não executo como queria e me sinto a pior profissional do mundo, me acho uma fraude, um erro, um problema. E sofro por ser o que sou.


Eu queria que as coisais fossem mais leves para mim e para pessoas como eu.


Em determinados dias eu praticamente sobrevivo e em outros eu realmente consigo viver. Mas precisamos nos curar, a auto cura, a ajuda dos semelhantes e principalmente, o auxilio e apoio de profissionais que entendam o quão devastador é o racismo para a população negra no campo psicológico. Não estamos falando só de depressão, é para além disso a ansiedade, angustia, falta de confiança em si, auto-boicote. Estamos falando de dores do passado, presente e a dificuldade de saber lidar bem com o que virá. Estamos falando de uma população toda marginalizada, perseguida e cansada. Depressão e doenças psicológicas são desenvolvidas também em decorrência dos abusos constantes; mais situação de autoexclusão e depreciação muito comum nas vidas negras.


Precisamos nos curar, precismos nos permitir a ser fracos para que juntos possamos ser fortes, compartilhar o que dói é uma forma de se fortificar, essa lição nós negros precisamos aprender.


Eu tenho aprendido a lidar e aprender diariamente com a depressão mas é sem dúvidas a relação mais abusiva que vivo.



"Eu disse que depressão é tanto nascimento quanto morte. A trepadeira é o que nasceu. A morte é a própria desintegração da pessoa, o quebrar dos galhos que sustentam essa infelicidade. A primeira coisa que vai embora é a felicidade."


Demônio do meio-dia. Uma anatomia da depressão, por Andrew Solomon.


 
 
 

コメント


bottom of page