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A CONVENIÊNCIA DO DEBATE SELETIVO

  • Colaboradora: Mariana Nascimento
  • 30 de abr. de 2016
  • 3 min de leitura

Os negros na América são obrigados a lidar com uma dura realidade que semeia diversas problemáticas e a mais traumática é o genocídio negro. O comportamento policial nas abordagens é nutrido por um estereótipo nefando que se enquadra ao povo negro, devido à exclusão dessas pessoas na sociedade de todo um continente que carrega em múltiplos países as chagas abertas da escravidão. As consequências desse passado são amenizadas no discurso da maioria dos privilegiados, quando algum questionamento é feito, apesar das diversas pesquisas que comprovam que a maioria dos marginais – carcerários, parcela da população que está na linha da pobreza, jovens mortos, adolescentes grávidas - são pessoas negras, pois, a falta de assistência do Estado na periferia colabora para que a criminalidade, a falta de saúde, educação e segurança existam provocando esta realidade.



A naturalização de um presente tão imerecido não está sendo mais aceita. O Brasil tem uma dívida social imensurável com todo esse contingente populacional e a arte vem sendo usada como instrumento revelador para as pessoas que insistem em continuar alheias e que menosprezam um cotidiano que atormenta mais de 50% da população. Porém, a recepção desse público a esse tipo de obra de cunho mais crítico não é tão positiva, visto que, é mais cômodo não debater algo que não lhes atinge do que contestar as situações desumanas que ocorrem às suas margens. Os artistas negros tem uma popularidade razoável por conta de alguns mitos que habitam o imaginário desses determinados grupos, como: “esse povo de cor tem uma voz incrível” ou “já reparou como os negros sabem dançar melhor que os brancos?” e simplesmente por isso, somos vistos como meros instrumentos de entretenimento da sociedade quando o mínimo de perceptibilidade é nos dado. Quando nossas músicas não retratam as amenidades da periferia, mas os maiores problemas em vigor, o espaço galgado

com muito sacrifício que já é limitado torna-se menor ainda.


Beyoncé revelou-se uma transgressora em definitivo de todos os padrões com o último

trabalho dela que gerou uma grande polêmica na mídia, como se o relato feito por ela fosse somente querela ou como se ela fosse a primeira artista a tratar de temáticas sociais no seu trabalho. Elza Soares, Nina Simone, Tupac, Racionais MC’s, Kendrick Lamar, Aretha Franklin, entre tantos outros têm um histórico de relatos recorrentes em suas obras, porém, por que só com Beyoncé esse debate tomou uma proporção desmedida numa visão distorcida?



Pelo simples fato dela ser objetificada como a mulher que canta Single Ladies e a esposa daquele rapper da boca grande.


Traçando uma análise sociológica na perspectiva de Durkheim, suponhamos que o fato social é Beyoncé cantar músicas com temas que transcendem classes sociais de forma divertida, porém, este padrão foi transgredido e a saída dela desse costume geral merece uma correção - Émile nomeia como força coercitiva - um exemplo explícito foi a ameaça de boicote sofrida por ela após o lançamento do clipe Formation. Esse acontecimento prova que ela sempre foi coisificada, ou seja, vista como mero objeto de lazer, e quando ela levanta determinados questionamentos, de certa forma ela está humanizando-se diante desses padrões, contrariando a expectativa de algo que era normativo.


Já enxergando este fato sob um olhar filosófico, temos Jean Paul Sartre que em Orfeu Negro - ensaio contido no livro Reflexões Sobre O Racismo - coloca que raciocinar que a humanidade é segregada por cor nos possibilita a transpor um onirismo que aprisiona milhares de pessoas. A contextualização dessa análise fica mais explícita quando alguma pessoa negra tenta debater o racismo e é calada com a frase: somos todos humanos, entretanto, se o negro pensar dessa forma, automaticamente ele nega toda a opressão sofrida por ele em decorrência da discriminação racial, causando assim, uma estagnação em relação ao tema sem uma perspectiva de mudança, naturalizando o sofrimento.




Elza Soares canta em A Carne a explícita realidade que caracteriza as diversas estatísticas sociais que embasam inúmeros discursos de teóricos humanísticos que relatam a omissão do Estado à cercania, gerando dessa forma um círculo vicioso regado à violência, preconceito e segregação social.


“... A carne mais barata do mercado é a carne negra/Que vai

de graça pro presídio/E para debaixo do plástico/Que vai de

graça pro subemprego/E pros hospitais psiquiátricos”.


Até quando vamos ser ignorados e até onde vai a conveniência dos privilegiados de nos

manter nas bordas da cidadania? Percebam que a discussão envolvendo o Lemonade não trás à tona os assuntos que Beyoncé aborda, porém, a contestação configura-se pelo fato dela estar sendo porta voz dos invisíveis ao relatar um desejo de libertação de milhares de excluídos - que são a engrenagem da manutenção de uma supremacia despótica.


 
 
 

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