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BISA RITA

  • Texto: Eliana Lisboa | Arte: Hemilyn (Téo)
  • 16 de fev. de 2016
  • 2 min de leitura


Uma tentativa de se olhar “pelos olhos” de Rita.


Os porquês da minha bisa Rita, sendo negra, vociferava que “Odiava Preto”.


Para compreender as respostas, dei um passeio no tempo e sentei na pedra, em que se é possível avistar os montes sólidos e inóspitos das memórias duras.

Por que? Porque:


- Quando ela era criança, já possuía responsabilidade de adulto. Coisa de preto.


- Ainda quando crianças descobriu que escola não era lugar para ela. Cresceu analfabeta. Coisa de preto.


- Na infância não deve ter ouvido nenhuma história de protagonismo negro. Não havia motivos para se inspirar ou para se orgulhar. Coisa de anti-herói preto.


- Se um dia sentiu curiosidade em manusear um livro e ler alguma imagem, leu a foto pela ótica do colonizador. Coisa de preto aculturado.


- No momento em que foi jovem, ser “feiosa” era seu pior pesadelo. Coisa de preto.


- Quando seu coração pulsou forte – por um italiano alto, alvo de olhos azuis – com ele não pôde casar. Contentou-se com visitas esporádicas, tendo que criar cinco filhos sozinha. Coisa de preta puta.


- Com o advento da televisão, não viu ninguém que a representasse, somente nas posições sociais de opressão. Coisa de preto metido artista.


- Tornou-se cozinheira. Cozinhava banquetes para a alta sociedade rio-pretense: às vezes recebia um pouco de dinheiro; às vezes recebia comida e às vezes ia para casa de mãos vazias. Coisa de preto escravo.


- Recusou- se a morar na favela. Morava no centro. Mesmo a sociedade lhe balançando os ombros, residiu em lugar “privilegiado” na Fernando Costa. Seus filhos trabalhavam muito para sustentar esse capricho. A casa nunca foi sua, mas ainda está lá, guardando suas memórias e mazelas. Coisa de preto que não sabe seu lugar.


- Mesmo no calor, usava lenço na cabeça para esconder seus cabelos. Coisa de preta sem noção de estética.


Minha bisa Rita morreu dias antes do meu nascimento, mas me deixou dois presentes: cresci vendo minha vó com um caderninho nas mãos, anotando suas lembranças, e minha mãe com um livro que lhe fixava os olhos. Na minha veia não só seu corre sangue. No meu corpo tem suor de guerreira que não sucumbe a própria vida.


Hoje sou eu que lhe dou um presente.


- Vó Rita! – Negra linda, franzina e pequena – Senta aqui no meu colo que vou te contar um segredo no ouvido:


- Pode descansar em paz. Pode se amar. Porque você tem uma bisneta que se ama e que luta para que as meninas e meninos não precisem morrer se odiando.

Ajustando o foco do olhar: Pobre da sociedade que não cuida dos seus sujeitos e das suas memórias. Pobre da sociedade que “ontem mesmo concedeu” voz aos negros, após mais de quinhentos anos de opressão, e já está cansada de ouvir suas narrativas “vitimistas”.




 
 
 

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