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JÊ ERNESTO

  • Phran Noctuam
  • 15 de out. de 2015
  • 5 min de leitura

Jê Ernesto, 18 anos, mora em São Paulo, é militante e cursa Direito na Puc – SP.

Conte um pouco da sua história de vida?

Metamorfose de mim

Em meados do complicado ano de 2011, eu assistia o videoclipe Emotion, do antigo grupo pop Destiny’s Child e optava por deixar meu cabelo igual ao da Beyoncé. Eu sabia que ele era um cacheado crespo, só fazia muito tempo que eu não o via.


Passou um ano e meio, aproximadamente, para que eu reencontrasse minhas raízes e me descobrisse. Foi em fevereiro de 2013 que eu o soltei.


Hoje em dia ninguém consegue dissociar minha imagem atual de quem eu sou. Já fui alisada por muitos e muitos anos… Não há mais feridas, mas cicatrizes profundas que a cada emancipação vão se superficializando.


Eu tinha 11 anos e usava trancinhas naturais desde os 4, desde muito pequenina… Chamaram-me de medusa, odiei-as. Alisei-me, chamaram-me de tudo… Sugeriram até o quão cômico eu ficaria se eu fosse careca. Pisaram em mim, todos os dias… Em todos os momentos. E o rancor dali nascia. Não tive par na última festa junina do ensino fundamental.


Nunca tive um par menino, sempre fora uma amiga com dó de mim, pela rejeição. E óbvio, eu nessas condições se quisesse dançar… Eu teria que ser o menino. Era o meio da adolescência eu não sabia o que significava gênero, sexo, raça ou classe… Aquilo era importante para uma pisciana adolescente (romântica) e com baixa auto estima.


Foram muitas as frustrações de relacionamentos em minha juventude… A infância foi doce, faço prevalecer àquelas lembranças mais longínquas nos momentos amargos. Esses acontecimentos fazem parte de quem eu sou e de quem estou me transformando.


Exponho uma pequenina parte de minha vida para relatar o quão importante é a estética em uma sociedade imagética e espetacular. O culto ao corpo perfeito, branco, liso, rico, magro… O quanto essa sociedade dilacera os nichos que não se encontram nesses padrões. Bulimia, anorexia e outros distúrbios são provas científicas disso. Eu nunca cheguei a bulimia, por pouco, acredito. Eu nunca cheguei a me lavar com cândida para ser branca como relatos fortíssimos de irmãs empoderadas relatam… Por de ser pela minha condição de mais clara da família e a crença de que eu era branca, todos assim me denominavam… Fui descobrir mais tarde, outro dia eu conto. Pode ter sido várias coisas. Mas acredito ser importante a não hierarquização da dor de cada um. São negações, são feridas, são rancores… São crescimentos e emancipações. Descobertas de si.


Como mulher negra no ano de 2015, no fim do primeiro ano de uma faculdade de elite, PUC-SP, acredito ser de extrema importância a constante ocupação dos espações… A exposição e críticas são consequências minúsculas perto do empoderamento e força que vocifero aos meus iguais. Todo e qualquer grupo oprimido.


Falar de uma dor, nunca é ofuscar outras. É ter propriedade momentânea de uma vivência que não é única, mas de várias meninas, várias mulheres negras.

Esse é um relato (pequeno) manifesto. Já proferiram publicamente que isto é desabafo. Reitero relato/manifesto em uma sociedade excludente.


Recentemente eu descobri minha negritude… Minha afro transcendência que não está só no meu cabelo… É bem maior que isso. Processo particular que envolve amadurecimento e expulsão de um rancor histórico. Mas que claro, o primeiro passo foi o cabelo… Foi de fora pra dentro. Da estética à essência. Ser negra é muito mais do que ter cabelo crespo e pele escura… Mas a porta pra essa conclusão não é entregue de bandeja, é trabalho, é dureza de ver a si mesmo nu, de corpo e de alma.


Um grande pedido a todas as pessoas. Jamais chame um negro de racista, mostre isso delicadamente a ele. Jamais force o empoderamento a um negro… Seus olhos ainda estão vendados por séculos de escravidão e anos de negação.



Pratica o feminismo nos ambientes que circula?


Pratico o feminismo na universidade, tentando de todas as formas desconstruir o machismo incrustrado naquele ambiente. Por enquanto venho sendo taxada como louca. Por levantar a problemática do Feminismo Negro Interseccional em um ambiente elitista e puramente branco.


Como é vista pelos demais?


Sou taxada como louca e estressada. Mas estou procurando as frentes feminista e negra da PUC. Logo mais interagiremos. Acabei de entrar na universidade é uma dinâmica muito nova pra mim, estou tentando me organizar.


Sofreu preconceitos? Se sim, com foi?


No primeiro dia de aula uma garota perguntou se eu era do ProUni. Eu respondi que sim, normalmente. Mas depois fiquei pensando, a partir de qual pressuposto ela supôs que eu fosse do ProUni. Havia outros alunos novos, por que ela só fez essa pergunta pra mim? Não consegui mais levar isso com naturalidade.


Qual seu grande projeto, o que faz, para resolver esse tabu?


Tento o diálogo mesmo, por enquanto eu não vejo outro caminho. Fiz um vídeo explicando a luta do feminismo negro, vários textos e postagens no facebook, muitos leigos se mostraram interessados e me deram feedback. Vou para Saraus, recito poesias desse teor, tento a militância diária, em todos os espaços, assim que eu ver algo que não está certo. Ou que não deveria ser certo, uma vez que o racismo é o padrão.


Eu iniciei com um discurso mais ameno e ajudou durante um tempo. Percebi que quando sou muito “estressada” as pessoas não me ouvem.


Mas refletindo sobre esse ser “raivoso”, “estressado”, peguei-me em outro impasse; todo tem personalidades, certo? Muitas pessoas são pavil curto, bravas... Mas as mulheres negras parecem ser intrínsecas a esse comportamento. É complicado.


Estamos longe de resolvê-los?


Acredito que sim. Bem longe, apesar de termos tido um avanço. Fala-se muito mais sobre racismo e feminismo do que quando eu tinha 11 anos e não sabia o que era e o que fazer com as opressões. Porém as reclamações de gente privilegiada, homens hétero cis gênero rico e branco, são dominantes, são barreiras, principalmente o governo. São tentativas de apagar esse movimento que cresce e se dissemina. O Eduardo Cunha e a sua tentativa de implantar a criminalização total do aborto demonstram isso. Temos muito a lutar.


Sente que houve melhora?


As pessoas estão começando a ouvir, a se interessar pelo assunto, diante da visibilidade que estamos conquistando. Acredito que as redes sociais, por mais que solitárias, vem dando seu apoio em grupos onde pessoas compartilham seus ideais de mudança. Tanto feminista quanto negro.


As pessoas te vêem diferente ou falam pra você positivamente ou negativamente com essa sua militância?


Recebo feedbacks constantemente, como tenho uma postura muito firme é difícil eu receber respostas negativas diretamente. Muitos amigos me consideram referência e me apoiam em meus discursos e discussões. Isso está me fortalecendo.


O que você acha da relação mulher negra e mídia?


A mulher negra na mídia ou é invisível e subalterna ou é fetiche. As negras somente ocupando papéis de empregadas nas novelas; ou sendo a “mulata” (termo pejorativo) no carnaval, são um exemplo disso.


Atualmente estamos diante de uma capitalização da nossa luta. Com a nossa visibilidade crespa, vemos a ditadura do cacheado e o comércio de produtos para esse tipo de cabelos. Não nos abatemos, nem nos assustemos. A FARM também teve seu momento de comercializar turbantes com modelos brancas.


A sociedade brasileira é patriarcal, machista e racista (e outros diversos preconceitos) estruturalmente. Qualquer tentativa de mudança não muda o fato internalizado por nós, durante séculos; apesar de ser importantíssimo e demonstrar avanços nesse processo de desconstrução e construção da nossa imagem.


Tem alguma mensagem para passar para outras mulheres que estão em situações parecidas com a sua?


Atualmente eu sou considerada uma jovem negra da periferia que milita diariamente é autodidata e possui muito potencial. Deveria ser uma posição de privilégio, de primeiro momento o é, mas isso acabou me afastando da militância e das pessoas por estar constantemente apontando incoerências e de tentarem me enquadrar em coisas que eu posso ou não fazer. Ter personalidade forte e opinião pode nos isolar ou socializar. Acredito que a linha entre esses dois extremos é tênue e venho tentando o equilíbrio.


A mensagem é: Sejamos sempre nós mesmas e que sigamos nossos corações e estruturas. Se gostarmos do amor, que o sigamos; se nossas estruturas são nossos pais, que eles estejam em nossas ações diárias. É isso. Que não nos deixemos levar por imposições de nenhum dos lados.





 
 
 

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