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VERONICA MARTZ

  • Arte: Ana Maria Sena
  • 16 de ago. de 2015
  • 2 min de leitura



Gritaram-me crespa! Sim, sou crespa sim!


A cada três meses aos sábados eu era acordada às sete da manhã para ir ao salão a fim de alisar o cabelo. Por chorar, algumas vezes escapava, porém o sentimento de alívio era logo substituído pelo de culpa por ter sido fraca demais e não ter escondido aquela vergonha que era ter uma raiz crespa sobressaindo-se.


De todos os absurdos que ja li/ouvi, o que negras se apropriam da cultura branca ao alisarem seus cabelos, de longe é o maior de todos. Além de falacioso é carregado de uma desonestidade sem tamanho e cruel. Alisamento não é nada menos que um assassinato silencioso e a longo prazo, não apenas físico por conta da toxicidade dos produtos, como também espiritual e psicológico.


Quando se nasce negra em uma sociedade racista e eurocêntrica, que condena tudo que vai pela tangente de seus moldes pálidos, vive-se apenas para deixar os menores rastros possíveis de sua identidade e ancestralidade. Ao longo dos meus 20 anos, as poucas vezes que coloquei as mãos em meus cabelos, sempre foram marcadas por lágrimas e sentimento de desgosto. Por que eu tinha que passar por processos tão dolorosos (desembaraçar um crespo 4C a seco deixa muito método de tortura no chinelo) para ser razoavelmente aceita? Eu sou categórica em afirmar que a todas as mulheres crespas que tinha/tem o hábito de alisar compartilharão da mesma vivência. E é exatamente esse o papel do racismo na vida de uma pessoa negra, ele adoece, mina qualquer sensação de auto estima e acaba por nos roubar de nós mesmas.


O empoderar-se do ser negra é olhar-se não mais com ódio, com repulsa de ser o que é. Mas vermos em cada linha de nossa pele a história de um povo animalizado e dizimado, resistente acima de tudo. Que em cada uma de nós resiste uma Dandara, uma Angela Davis preparadas para refutar o título de carne mais barata do mercado.


Os moldes brancos não me cabem mais, não nos cabem mais, nós somos patrimônios vivos da história de nosso povo pelo simples fato de existirmos.


Somos atos políticos.


 
 
 

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