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AMORA LINSOUMISE

  • Phran Noctuam
  • 16 de jul. de 2015
  • 6 min de leitura


Amora, 16 anos, cursa o 2º ano do ensino médio (infelizmente), cresceu na zona oeste do Rio de Janeiro, perdeu o pai bem cedo e isso lhe rendeu muitas complicações emocionais e até mesmo financeiras, mas sua mãe é mulher preta, elas sempre seguram as pontas.


Conte-nos um pouco sobre sua infância?


Minha infância foi marcada de muito racismo principalmente com relação ao meu cabelo e fui fadada como muitas minas pretas a alisarem o cabelo, foi depois de muito tempo que consegui me livrar disso, o que não faz muito tempo. Por necessidade de sobrevivência o anarquismo me pegou pra criar, o feminismo pra me acalmar e o movimento negro pra eu ter pelo que lutar, mas antes de ser qualquer coisa eu sou mulher e negra, isso me faz ser anti estado, anti capital, antes de saber o que era anarquismo.


Quando você se reconheceu como negra?


Demorou muito tempo pra me ver como negra, pra mim eu era parda (hueheu) não tinha cor, não tinha história, não tinha nenhum espaço, eu sofria com racismo, mas não sabia que era racismo, mesmo depois de ter me tornado anarquista e feminista não me via como negra e a situação do "sem espaço" se agravou ainda mais, vermelha e amarela eu tinha certeza que não era, mas não pertencia a espaços negros, e principalmente não pertencia aos espaços brancos, pois eles tinham o prazer de deixar claro que ali não era o meu lugar, até porque na sua maioria são espaços elitistas, e eu nunca tive se quer acesso a eles, o lugar que eu vivo é preto, mas eu não era, até que um amigo militante me mandou uma foto minha dizendo "olha pra você" aí eu cai em mim e as coisas mudaram ainda mais.


Quais as mudanças que ocorrerão na sua vida depois que se deu conta que era negra?


Depois que eu me descobri como negra as coisas ficaram bem mais explicadas na minha vida, o porque de eu nunca ser a "garota bonita" ou de sempre ter sido rejeitada, as coisas se tornam mais enegrecidas, e isso em partes se torna um alívio e um tormento ao mesmo tempo, alívio porque eu entendi que todos os abusos que tinha passado não eram culpa minha e tormentos por não saber lidar com tanta informação e com as coisas que viam acontecendo, foi então que me vi na situação de ter que militar, e isso não foi escolha ou algo que algum dia eu pudesse abdicar, não, eu só me dei conta de que o ato de sair na rua, o ato de respirar é um ato de resistência. Quando tudo aconteceu eu estava estudando em uma escola altamente racista e preconceituosa no seu geral, em uma escola que a maioria era branca e católica que prezava "pelos valores e bons costumes da família tradicional brasileira", meu único alívio era um professor negro que tinha, mas mesmo assim não foi o suficiente, comecei a ver muitas problemáticas na escola e muito silenciamento, comecei a questionar, e foi aí que começou a haver perseguição a mim e a pessoas que estavam próximas a mim, tive de notas rebaixadas à ter que me afastar de amigos para não serem prejudicados. Foi bem complicado, mas depois de um tempo convivendo e conversando com outras pessoas negras e politizadas eu fui melhorando, vire e mexe eu tenho crises de depressão, ansiedade e alguns outros transtornos mas como um amigo sempre me diz "vamos produzir", e isso literalmente me mantém viva.


Tem projetos artísticos ou sociais?


Hoje tenho dois projetos em andamento um é fotográfico que eu tenho com o Ibu Lucas, que visa mostrar a beleza negra, mostrando a importância dos seus corpos e como ele é belo. E o outro é de um jornal chamado Reorganize que a gente desenvolve junto com o coletivo AIA dentro de um hospital psiquiátrico na zona Norte do Rio de Janeiro, que fala sobre os clientes internos e ex internos de lá. A gente acredita em outra forma de cura, sem cárcere e sem as absurdas quantidades de remédio que eles recebem, o jornal ele serve pra dar voz aquelas pessoas e também pra falar sobre todo o trabalho que desenvolvemos lá dentro.


Qual o nome do seu projeto fotográfico, como ele funciona: quem pode participar, como faz pra participar?


O projeto se chama estrias e foi idealizado somente para pessoas negras, com o objetivo de empoderar as mesmas com o poder dos seus corpos, a vida toda falam que nossa cor é feia, que nossos traços são feios, o projeto é justamente pra mudar mostrar que não, somos lindos e nossos trancos também, pra participar é só mandar uma inbox pra mim ou pro Ibu Lucas, se a pessoa for do rio eu mesma posso ir tirar as fotos ou se a pessoa preferir ela pode manda.


Qual a sua relação com a fotografia? Quando começou a fotografar e porque escolheu a linguagem da fotografia para ser seu canal artístico?


Minha relação com a fotografia é uma relação de amor, eu sempre tentei me expressar de alguma maneira que eu pudesse desviar minha atenção dos meus problemas diários, mas eu sou muito chata com as coisas que eu faço, me cobro muito, então nada do que eu fizesse eu achava bom, na verdade tudo me deixava mais estressada do que eu já estava, quando comecei a fotografar eu consegui além de desviar a minha atenção conseguia dar um foco pro que eu estava fazendo, eu comecei a fotografar com o incentivo de um ex namorado meu, que por mim eu faria isso, por causa dos meus problemas com a minha estima eu sempre achei tudo que eu fizesse feio, mas ele me ajudou muito nesse aspecto e hoje eu vejo a fotografia como uma forma de ajudar a tratar os danos que o racismo causou na minha vida, trabalhar com foto se transformou em um ato de amor próprio pra mim.


Como funciona o jornal Reorganize? Como é a abordagem de vocês com os internos e ex internos? Como eles contribuem com o jornal? E como o jornal é produzido e distribuído?


O jornal reorganize é um projeto desenvolvido dentro do hotel da louca, que fica em um hospício em engenho de dentro na zona norte do Rio de Janeiro. O jornal é feito dentro do manicômio e o objetivo do jornal é ser a voz das pessoas que estão trancafiadas lá, e chamar atenção pra importância da luta antimanicomial e anticarcerraria. O processo de criação funciona com a decisão do tema e partindo disso começamos a nos dividir para decidir as entrevistas, os textos que serão colocados, quem vai escrever e como o tema se insere dentro da realidade daquelas pessoas, por exemplo a terceira edição, que foi sobre negritude, somente pessoas negras escreveram e falaram nessa edição, incluindo os clientes (como são chamados os internos) que em sua maioria são negras. os internos e e ex internos tem participação no processo de criação, a nossa colunista fixa é a Luciene Adão, uma mulher negra que retrata por meio dos seus textos e poesias todas as suas vivências fora e dentro dos hospitais psiquiátricos. Nós gostaríamos de distribuir o jornal só que precisamos pagar a edição seguinte e até mesmo sobreviver, então vendemos uma parcela do jornal suficiente pra pagar o jornal e suprir algumas necessidades e a outra nós distribuímos, a venda e distribuição do jornal é feita nos bairros adjacentes e em eventos que vamos.


Como as pessoas vê sua militância?


Eu milito no meu dia a dia, só o fato de uma mulher preta existir, só o fato de ela respirar ela já é militante, eu tento mudar todo o lugar que frequento e que passo, prático o trabalho de bases sempre, é sufocante as vezes falar das mesmas coisas o tempo todo, mas é necessário, isso me rende e me rendeu muitos problemas, desde problemas na escola com pressão pra que eu saísse a problemas de convivência com a minha mãe, mas apesar de tudo eu não pretendo parar. Não é fácil ser mulher, negra, periférica e militante, mas to aqui pra isso, pra incomodar e ser contra cultura.


Qual mensagem você deixa para as mulheres negras, militantes e artistas que estão nessa batalha que a vida?


Me falaram que a dor do racismo é como se fosse a perda de uma pessoa, então imagine sentir isso todo dia de alguma forma?! É pesado, e da mais sentido ainda para eu ver que a maior parte das pessoas dentro do manicômio são negras e mulheres, porque se ser negro é como perder uma pessoa todo dia, como deve ser além de ser negro ser mulher?! Não é fácil, é como ser atingidos por todos os lados, mas apesar disso ainda estamos aqui e continuamos existindo, ninguém é obrigado a ser forte eu sei, mas eu digo que endureçam ainda mais, confiem em si mesmas, fortaleçam o trabalho de suas irmãs, e não deixem que alguém diga pra vocês quem vocês realmente são. Produzam e sambem na cara do patriarcado independente de qual cor for, sabem na cara do racismo e continuem sendo lindas como são. Vai ser nós por nós ou não será.




ACESSE:



Jornal Reorganize



 
 
 

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