ALILE DARA ONAWALE
- Phran Noctuam
- 18 de jun. de 2015
- 4 min de leitura

Alile Dara Onawale tem 22 anos de idade, é negra, moradora do Centro do Rio de Janeiro, formada em fotografia compartilha com nós mulheres negras e artistas suas experiências de vida e de arte.
Conta um pouco da sua história de vida?
História de vida? “Avemaria”, contar história de vida é pra gente importante que já viveu um bocado. Eu tô na beiradinha ainda, (rs), vou contar minha história com a fotografia, tá?
Em 2009 eu fiz uma viagem e foi lá que comecei a me aproximar da fotografia, foi um contato absurdamente natural, a curiosidade me levou a isso. Pra começar, comprei uma câmera nova durante a viagem e somado a isso uma amiga que dividia o quarto comigo já havia comprado uma dessas câmeras profissionais, então a gente pirava muito. Quando voltei, aquele começou a ser o instrumento que eu mais usava, não desgrudava da câmera. Como o interesse só aumentava, comecei a fazer cursos e a buscar mais segurança na profissão. Foi quando eu comecei a pensar em sair de Salvador. Fui matutando e estudando essa possibilidade até 2014, que foi quando eu saí de lá definitivamente. Os estudos e as pesquisas nunca pararam (e nem vão parar).
Qual relação sua arte tem com a mulher negra?
Tenho pensado muito na representatividade da mulher negra/mulher negra lésbica pra minha fotografia. Sou feminista-preta-lésbica e esse é um tema que fala diretamente comigo e com as pessoas que amo. Nós não estamos na TV, nas revistas, nos filmes, nas fotos... Insistem nos minimizar. O racismo, machismo e lesbofobia são devastadores e eu nunca vou deixar essas questões de lado, nunca vou deixar de pensar em como aumentar a autoestima dessas guerreiras e nunca vou parar de me esforçar para que o mundo nos veja. Está em mim, está no meu corpo preto, está no meu ser mulher. Eu existo assim: mulher preta lésbica.
Tem projetos artísticos?
Sim, tenho trocentas ideias pra projetos fotográficos em mente.
Sobre o que falam?
Não tenho tudo tão amarrado ainda pra poder falar. Mas a certeza é que continuarei trabalhando a representatividade da mulher negra/mulher negra lésbica. É o que me transborda e me representa.

(Foto por Alile Dara do filme Kbela)
Um caso de preconceito que te marcou muito?
Foi há alguns anos, eu estava com três irmãos (mais novos) e meu pai num mercado lá em Salvador, enquanto meu pai foi com meu irmão mais novo fazer alguma coisa, fui com os meninos comprar comida numa lanchonete que ficava no final do corredor. Compramos os salgados e saímos comendo pelo mercado, em dado momento, um segurança chegou até nós e disse “Vocês pagaram isso?” dissemos que sim e ele foi embora. Só percebi que meu pai tinha visto toda a situação quando veio perguntar o que o moço tinha dito, assim que respondemos, meu pai saiu andando.
Tempo depois, vejo meu pai sendo assertivo e direto com o segurança. Não dava para ouvir o que ele falava, só observava de longe, mas senti. Um dos meus irmãos dizia algo como “por quê?”. Não lembro muito qual foi a pergunta, mas ele tava querendo entender a situação toda, meu outro irmão respondeu na mesma hora, rindo, tranquilo: "porque a gente é preto, né, véi?" E depois se distrairam com a bola de basquete. Cheguei em casa e desabei. Lembro também de ter procurado um amigo (branco) pra falar sobre o acontecido e, óbvio, fui a louca, a exagerada, vitimista.
As pessoas te veem diferente ou falam pra você positivamente ou negativamente com essa sua militância?
Sempre rola, sabe? As pessoas não estão acostumadas a rever os privilégios. Já vieram me dizer que eu era muito radical por problematizar uma fala dirigida a mim, afinal, era só uma brincadeirinha. Quer dizer, tô lá perdendo meu tempo com a pessoa, explicando porque tal coisa é errada, porque me incomodou e feriu e aí viro o quê? A maluca, a radical. Falta empatia.
Como define seu estilo artístico dentro da fotografia?
Vixe, não defino, não. Tô numa fase de muitas (muitas!) experimentações, pirações e pesquisas.

(Foto por Alile Dara)
Quais são suas referencias negras?
Essa questão sempre me tocou muito. Não me vejo nas pessoas consideradas referências, são todas pessoas brancas fotografando, sendo fotografadas... pra eles, a arte não é o nosso lugar, sabe? Representamos o feio, o abominável. Lembro muito de um dia que estava com uma amiga (Safira Moreira) pensando justamente nisso. Conseguimos contar nos dedos das mãos as fotógrafas negras que conhecíamos. Foi doloroso perceber que éramos tão poucas. Mas existimos, velho. Existimos e resistimos!
Minhas maiores referências são as pessoas que convivem comigo, que me cercam. Iracema Paixão, minha mãe, professora e poeta, mas ela acha que eu não sei que ela escreve, Lande Onawale , meu pai, poeta, minhas amigas fotógrafas: Shai Andrade, Amanda Oliveira , Safira Moreira , Talita Oliveira . Também me inspiro muito em Stephanie Ribeiro, Jéssica Ipólito, Andreza Delgado, Eduarda Lamenes, Yasmin Thayná, Rayane Silva, Luma Nascimento, Loo Nascimento, Yaminaah Abayomi, Denise Cathilina, Amanda Cunha (amiga fiel que topa todas as minhas ideias mirabolantes pras fotos) e também Diane Lima, uma mulher extremamente criativa e que me inspira cada dia mais e mais. Pra mim é especial demais saber que posso contar com ela. Ah, são muitas! Essas mulheres piram minha cabeça. É muita maravilhosidade! Fico de longe admirando a força que tem.
De modo geral, mulheres negras na arte me inspiram. Me inspiram por ter força e coragem pra ocupar um lugar de tão difícil acesso e permanência. Mas a verdade verdadeira mesmo é que mulher negra me inspira. Todas elas. Fim.
Pra fechar, algumas pessoas pretas maravilhosas da música (só algumas mesmo!): Sara Tavares, Chico César, Gilberto Gil, Willow Smith, Esperanza Spalding, Juçara Marçal, Nina Simone, Marvin Gaye, Erykah Badu, IBEYI, Lianne Las Havas, Rihanna, Solange, Beyoncé. Se não conhecem algum desses nomes, BUSQUEM! <3

(Foto por Alile Dara do filme Kbela)
Que dica você da para as mulheres e garotas que estão começando no universo da fotografia, que caminho elas podem buscar nesse começo?
Assistam filmes, ouçam músicas, leiam (sobre tudo o que quiserem, tudo é estímulo!), vejam o trabalho de outras pessoas, experimentem! Se joguem mesmo! A gente PRECISA ocupar esses lugares. Unam forças, acho isso muito importante também. Chamar uma amiga pra fotografar junto, pra pensar em projetos, pra ajudar a colocar em prática, pra dar apoio moral, pra inspirar.
Repito: nós, mulheres negras, existimos e resistimos! Vamo que vamo!
ACESSE O TRABALHO DE ALILE DARA
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