SCARLETT RODRIGUES
- Arte: Ana Maria Sena
- 17 de mai. de 2015
- 4 min de leitura

Como se descobre ser negra? Como acontece? Do nada se enxerga a cor que a pele tem e bum sou negra? Não se nasce negra? Então por que muitos (as) não se assumem negros? Só é negro se a pele for mais escura? São perguntas que eu me fazia antes de me descobrir negra. Digo descobrir por que devido a sociedade ser racista e colorista, muitos e muitas hoje, não tem consciência de sua raça, de sua etnia, não sabem realmente sua identidade, e isso acontecia comigo.
Filha de mãe negra (família por parte de mãe: negra com índios) e pai dito "pardo" (família por parte de pai: negra com português e indígena) nasci e fui declarada pela sociedade: parda, ou seja, não é nem branca suficiente e nem negra suficiente, seria meio termo... o apagamento de minha identidade racial começava daí...Meio termo? Misturada? Morena?
Aos 17 anos, conheci uma pessoa que foi muito importante na minha vida e que sempre foi ligado a causas sociais (que antes eu não era tão engajada quanto agora), e que sempre me questionava sobre como eu me via, o que eu me considerava, sempre trazia questionamentos sobre questão racial, sobre cabelo (por que eu era escrava da chapinha, etc...), e isso foi despertando em mim esse ponto de identidade que eu tinha em aberto... e pensei: "ué mas o que tem de errado com o pardo?" Achava que esse termo me contemplava. Ao meu ver, não apagava nenhuma das vertentes existentes na minha familia, porque havia muitas misturas, mas eu estava errada, por que depois de muito ser questionada, e por alguns dizer que sim eu sou negra e outros não (até mesmo alguns negros) me fez querer ir atrás, e buscar saber sobre minha identidade.
Sendo assim, comecei a pesquisar sobre o termo pardo que vem de pardal, termo pejorativo usado pelos brancos colonizadores para apagar a identidade dos negros, para assim provocar a segregação entre os próprios negros que não reconhecem o outro como negro, além de ser um termo animalista, ele esconde nossa identidade, nos dividindo ainda mais. Vi que pardos são considerados negros pelas estatísticas e que esse termo deveria ser abolido, tendo em vista que ninguém subdivide o grupo dos brancos, ninguém classifica um branco mais rosado de rosinha, chamam somente de brancos, então por que nós tínhamos esse segundo nome?
E depois de muito pesquisar, e posteriormente conhecer o feminismo negro, depois de procurar em mim traços tanto físicos quanto acontecimentos que me fizeram enxergar a minha negritude (como quando seguiam a mim e a minha mãe dentro das lojas, como quando uma moça no balcão da lanchonete perguntou se eu tinha dinheiro para comprar um croissant, coisas que não aconteceriam com brancos, em relacionamentos como quando a preferencia é sempre pela mina branca popular da classe), depois de ver exemplos de mulheres negras que mais se pareciam comigo em cor e que se auto declaravam negras (vejam como representatividade é importante), foi que me enxerguei como negra enfim!
Após essa consciência tomada, passei a entender muita coisa que vivi, e passei a tomar essa consciência como verdade e afirmar que ninguém ia tirar de mim mais, passei a assumir meu cabelo e abolir a chapinha, e tudo mais, passei a usar turbantes, símbolo de luta e resistência do nosso povo, que me ajudou muito a me empoderar, a firmar minha identidade, a me tornar forte e reconhecer minha beleza, passei a participar de coletivos negros, passei a me envolver mais na militância, passei a lutar pelo que acredito, passei a obter mais conhecimento sobre nosso povo, nossa raiz, minha raiz, e por fim, passei a colocar opção negra e não mais parda.
Ou seja, foi um processo de pesquisa, de desconstrução, de aceitação, tive muitas pessoas ao meu lado contribuindo pro meu empoderamento e afirmação, e sei que hoje, aos 20 anos, por mais que a sociedade continue racista e colorista, eu estou empoderada, e firme quanto a minha identidade, e atualmente faço com outras mulheres o que fizeram comigo um dia, empoderamento, transmito o que aprendi um dia á elas para que se reconheçam negras e que se amem, se adorem, que tenham orgulho de serem negras por que cá entre nós, nós somos fodas, raça eleita, reis e rainhas, e tento transmitir isso á outras mulheres, e mostrar que estamos juntas, que é nós por nós!
Não foi fácil chegar onde cheguei, foi demorado, e doloroso, mas saber sua identidade é um ato político! E transmitir seus ideais, e ajudar outras mulheres, crianças, ser exemplo de representatividade, ver mais e mais mulheres negras unidas e se amando, não tem preço, é o que faz valer a militância! Sou brava, denuncio apropriação cultural, desmascaro racista, coloco o dedo na ferida, tento desconstruir pensamentos tendenciosos, sou sangue no olho pra muita coisa mas sou amor também, militância baseada em ódio mal canalizado gera transtorno emocional, sentimental e físico, militância tem que ser baseada no amor (para com os seus) e sabedoria para lidar com os outros (estratégia), mas amor é a chave e acredito nisso pra continuar ajudando os outros no que eu puder e alcançando as pessoas!
Quanto as negras de pele clara que ainda duvidam que sejam negras, saibam que nossa negritude tem muitas cores, muitas tonalidades, texturas, formas, e que ser negra não é somente cor da pele, é um conjunto de fatores que nos torna quem somos. E que não devem deixar ninguém questionar sua identidade! E também é preciso saber que sofrer racismo não é medidor de negritude, você não é menos negro por sofrer menos racismo devido a sua pele ser mais clara. Você sofre menos com o racismo, ou seja, usufrui de um privilegio quando comparado a negros de pele mais escura, mas isso não te torna menos negro, é negro e ponto final. Saber seu lugar de fala dentro do movimento é lei, e saber que mulheres negras não estão sozinhas, embora o mundo nos segregue, nos marginalize, temos umas as outras, e seguimos lutando, lado a lado!
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