SABRINA FIDALGO
- Phran Noctuam
- 13 de mai. de 2015
- 5 min de leitura

Sabrina Fidalgo, 34 anos, residente no Rio de Janeiro, cineasta, diretora da produtora de cinema independente Fidalgo Produções, filha de Ubirajara Fidalgo e Alzira Fidalgo, ambos artistas nos conta a sua história como mulher negra com o cinema e com o teatro.
Quem é a Sabrina Fidalgo?
Eu sou realizadora, do tipo diretora-autoral, escrevo, dirijo e sempre co-produzo meus trabalhos. E também atuo sempre nos meus filmes. Sou filha de artistas, Ubirajara Fidalgo, dramaturgo, ator, diretor e produtor criou junto com minha mãe, a cenógrafa e produtora Alzira Fidalgo, o TEPRON (Teatro Profissional do Negro) no inicio dos anos 70. O conceito era montar peças escritas pelo meu pai, todas com temática e abordagem sobre a problemática racial do negro no Brasil, discutir com o publico em debates pós-peça e criar uma escola de formação de atores que, ao fim do curso, se integravam a cia.
Qual foi seu primeiro contato com a arte?
Cresci nesse ambiente de muita arte, politica e engajamento. Eu sempre acompanhei meus pais nas apresentações das peças e me tornei mascote do TEPRON aos 2 anos, abrindo o monologo “Desfuga”, interpretado pelo meu pai, durante uma das temporadas. Depois fiquei no elenco fixo da peça infantil “Os Gazeteiros” por uns bons 3 anos.
Seus pais foram suas referências artísticas?
Quando meu pai morreu eu tinha quase 9 anos e foi algo que até hoje não sei explicar. Ele era uma grande referência, víamos filmes juntos madrugada a dentro, íamos ao cinema muitas vezes na semana, entre outras mil coisas. Mas minha mãe, Alzira Fidalgo, também foi uma figura maravilhosa na minha vida. Ela levou adiante o legado do meu pai, cuidou do seu acervo com dedicação até seu falecimento ha 3 anos atrás. Enfim, ela me criou da melhor maneira possível, era uma mulher elegante, fina. Com ela eu aprendi a ser forte e perspicaz. Sem ela eu não teria chegado aqui.
Qual sua formação acadêmica?
Eu estudei Artes Cênicas (Teoria do Teatro) na Uni-Rio, mas logo me mudei para Munique, Alemanha, onde estudei documentario na Escola de TV e Cine de Munique e depois fui aprovada para uma bolsa de uma instituição espanhola de roteiristas sediada em Madri para fazer uma especialização em roteiro cinematográfico pelaUniversidad de Cordoba, na Andaluzia, Espanha. Ao retornar ao Brasil fiz alguns cursos como o de co-produção internacional do LATC (Latin American Training Center) e o Media FilmSchoolLatinAmerica. Mas vivo estudando, lendo, pesquisando. E tenho muita vontade de cursar artes visuais.
Trabalha com o que?
Eu tenho uma produtora independente chamada Fidalgo Produções, que originalmente era uma produtora de eventos fundada pelos meus pais, mas que estava meio parada, porque minha mãe criou uma outra empresa sem fins lucrativos chamada Associação Cultural e Teatral Ubirajara Fidalgo. Quando voltei da Alemanha decidimos ressucita-la, agora como produtora cinematográfica. Eu vivo do audiovisual basicamente. Sempre entro como co-produtora nos meus projetos junto com outras produtoras maiores. E tenho muitos projetos em diferentes estágios de produção que vão desde curtas, medias, documentários, series para a TV e meu primeiro longa de ficção.
Faço freelas de produção para filmes e documentários estrangeiros, porque falo cinco idiomas, então sempre aparecem esses jobs e agora comecei um projeto diferente como DJ chamado Lady Sabrina Queen, que é basicamente uma ideia de agregar todos os estilos musicais que eu amo e jogar tudo dentro de uma centrifuga sonora. Por enquanto eu so toco, mas eu quero unir a isso performance e videoarte.
Tem algum projeto artístico?
Muitos. Muitos mesmo. Estou num momento em que tem sido difícil dar conta de tanta coisa e preciso de muita disciplina, paciência e concentração. O meu projeto mais longo é um documentário sobre a historia do funk, que é um projeto antigo de 7 anos e que vem agregando ótimos parceiros. Será distribuído pela Tucuman Filmes da Priscila Miranda e agora temos uma nova parceira, a Mônica Botelho, que se uniu ao projeto como co-produtora. Além desse, tenho mais três curtas de ficção, o meu primeiro longa de ficção, um projeto para a TV, uma peça de teatro e outro projeto para a internet que estou desenvolvendo com a Thalma de Freitas. E também cuido do acervo com as obras do meu pai. Temos vários projetos para difundir a obra dele, como, por exemplo, editar a obra completa dele em livros e promover exposições, debates, leituras de textos e palestras acerca da obra dele.
Pratica o feminismo na sua produção artística?
Acredito que sim. Eu fui criada por uma mulher que teve muito pulso na vida, então eu não poderia ser diferente. Mas não sou panfletaria. Sou independente nesse sentido.
Sofreu preconceitos?
Eu tive tudo pra ser a vitima do bullying na vida. Pretinha, classe média, estudando em boas escolas, fazendo ballet clássico e tal. E sendo sempre a única pretinha da parada. Mas eu fui trabalhada pra guerra desde pequena pelos meus pais. Meu pai um dia me segurou pelos braços e olhou nos meus olhos. Eu tinha só 2 anos, ia entrar no maternal da escola católica onde estudei até os 14 anos. Ele me disse : “Nunca deixe ninguém te chamar de “moreninha”. Diga moreno é índio, eu sou negra. E se te xingarem “disso ou daquilo” você vai chama-los de “assim e assado”. O “assim e assado” era simplesmente um glossário de xingamentos inacreditável contra brancos e mestiços racistas. E dai, meu amor, que eu, como uma boa pretinha bem amamentada, libriana com ascendente em leão, filha de Ogum e Iansã e que levava vantagem por ser mais alta e mais forte que a torcida do Flamengo inteira, ja cheguei causando. Quem praticava o bullying era eu. Eu batia em todos que não me obedeciam. De dois em dois dias tinha uma mãe reclamando que eu bati no filho que era pelo menos uns cinco anos mais velho do que eu. Uma vez bati em dois ao mesmo tempo. Logico que houve uma ou outra tentativa de bullying, mas sempre terminava nas vias de fato e a meu favor, é claro. Não passei por nenhuma situação abertamente racista no Brasil, mas percebo olhares. E eu saco os racistas pelo faro. Por exemplo, ainda hoje rolam muitas coisas do tipo reações muito surpresas pelo fato de eu ser diretora, de falar cinco línguas fluentes, de ser viajada, de viver do que faço, de morar bem, etc. As pessoas sempre esperam menos da gente, né? E essas reações de surpresas aliadas a perguntas inconvenientes são tão racistas quanto um xingamento ou algo mais radical. Então, eu sofistiquei o tal glossário que meu pai me ensinou para cada reação dessas. Mas não curto um vitimíssimo não. Acho que o problema também é que a gente fica muito na lamuria e isso enfraquece. Como diz o Paulo Lins, estamos em guerra, e só os mais fortes vencem. E o poder é a força. Precisamos é de beleza e riqueza pra vencer a guerra. E eu quero é poder, meu bem. É disso que precisamos.
As pessoas te vêem diferente ou falam pra você positivamente ou negativamente com essa sua militância?
Foda-se as pessoas. Sou assim desde que nasci. Sou fruto de uma militância. Eu milito pelos negros, índios, gays, mulheres trans, índios, aborígenes e todos os que sofrem opressão. Mas não sou uma radical, uma fundamentalista, uma kamikaze. Não preciso ficar verbalizando minhas causas, porque a minha própria existência nesse meio já é a causa em si.
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