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NAOMI FAUSTINO

  • Arte: Ana Maria Sena
  • 30 de abr. de 2015
  • 3 min de leitura



Eu nasci no dia 05 de julho de 1995. Eu nasci bem, nasci saudável e bonita. Nasci em um dos melhores hospitais de São Paulo. Meus pais estavam muito felizes de ter um bebê depois da morte do meu irmão. Eu e minha irmã nascemos com privilégios de classe. Principalmente eu, mas essa é uma comparação desnecessária para a minha história. Esses privilégios foram, e ainda são, muito úteis no meu dia-a-dia e eu agradeço por tê-los.


Mas, voltando à história, eu nasci bem e nasci preta. E esse é o ponto que marca o começo da minha jornada. Como havia dito, meus pais estavam muito felizes com a minha chegada e, por isso, acabaram filmando todo o processo. O vídeo é muito bonito e emocionante e talvez eu o digitalize algum dia, mas precisaria cortar a parte na qual um homem reforça o fato de eu ser negra e começa a fazer comentários racistas no meio do vídeo. E é assim que a minha história começa, com diversos privilégios, mas sem nunca esquecer que eu não pertenço a aquele lugar.


O tempo passou e eu já não consigo me lembrar de como foi o meu parto e minha primeira condenação. Eu comecei a estudar em ótimos colégios e sempre acompanhada de minha querida irmã mais velha; estudei em lugares ótimos que não precisam ser citados aqui, mas que vocês provavelmente devem conhecer das revistas. Lá eu conheci o mundo de verdade, conheci os livros, conheci os estudos, conheci o racismo e todas as suas variações. Conheci também o fato de que eu era uma exceção. Eu não era pobre, mas era a única. Eu era a exceção que deveria ser usada como regra geral. Eu era o argumento de que os negros podem chegar aonde quiserem se tivessem um pouco de vontade, como minha família teve. Eu era a exceção e a verdade, eu era a dualidade em pessoa. Eu era - e sou - um ponto fora da curva, um desvio padrão mínimo. E, por isso, eu deveria carregar o mastro do antirracismo e do racismo também. Eu era o inimigo na sala de aula.


Mas eu não queria toda essa atenção. Eu não deveria ser uma estrela por causa do meu feito de ser negra. Eu queria ser igual, parecer igual. E, por isso, eu me mutilei até o ultimo fio de cabelo para ser o que eu não era. E só para constar, eu era a menina mais gorda da sala, pesando meus 80kg entre os 10-15 anos – que acabaram retornando recentemente.


Na escola, muitas outras coisas aconteceram. Não só os fatos supracitados, mas também as melhores (ou seriam piores?) ações de racismo de todos os tempos. Não tive a sorte, ou azar, de ter meus amigos cantando a abertura do desenho “Meu amigo da escola é um macaco”, como outros amigos meus tiveram. Mas, tive desenhos de macacos, simulação de macaco, show de rock versão macaco, dança do macaco, gritos e urros de macaco, todos feitos especialmente para mim! E, para completar as grandes demonstrações de afeto, tive também um tapa na cara, que foi confundido com uma “briga de namorados” durante a aula de educação física.


Outros fatos também ocorreram, dentro e fora da escola. Como, por exemplo, a humilhação no aeroporto de Amsterdam, onde a polícia de lá resolveu revistar as únicas negras do avião - e somente nós. Provavelmente uma das calcinhas, que estavam na minha mala de mão, ainda devem estar jogadas no chão do aeroporto de lá. Caso vocês façam uma viagem para a Holanda, procurem para mim, por favor.


Mas o tempo passou, eu sai da escola, tudo mudou ao meu redor e, bem, posso dizer que as coisas tem sido bem melhores agora que sei me defender. Acabei conhecendo o movimento negro, o feminismo, e todas as outras celebrações de amor e afeto que poderia conhecer. Acabei abrindo a mente, aprendendo a escrever minhas dores e reclamações. Criei meu canto de reflexão, criei meu mundo negro online. E deixo aqui meu momento merchandising para que acessem o The Black Cupcake.


E, por final, para que vocês não achem que a minha história é totalmente infeliz, ou que eu choro demais, confio a vocês um segredo. Sabe, eu acabei mudando muito e conhecendo coisas que eu não sabia que existiam. Eu conheci mulheres lindas, pessoas maravilhosas, e histórias parecidas como a minha. E acabei, de fato, percebendo que tudo que aconteceu me fez quem eu sou, e eu não deveria ter ódio disso, mas trabalhar para que as próximas gerações não passassem o que eu passei. Eu conheci vocês e vocês me salvaram, por isso, eu sou grata e muito feliz.


 
 
 

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