DAYANE COSTA
- Phran Noctuam
- 23 de abr. de 2015
- 7 min de leitura

Dayane Costa, 23 anos (quase 24) nascida em Anápolis cidade de Goiás, desenhista e ilustradora, é filha de uma ex-pianista que largou tudo para criá-la quando seu parceiro a deixou. Amante da música, já cursou jornalismo e ciências sociais, mas não concluiu ambos cursos e hoje cursa Artes e concluí no fim do ano.
Como era sua infância?
Nasci em uma família negra, de classe média, que se mudou do nordeste pro Rio de Janeiro e depois do Rio de Janeiro pro interior de Goiás. Meus avós eram bem pobres, mas trabalharam muito pra dar pros filhos e pros netos condições de vida melhores. Devo tudo a eles, são as pessoas mais importantes da minha vida. Não conheci meu pai, ele largou minha mãe quando ela ficou grávida. Minha mãe é uma das mulheres mais bonitas que conheço, mesmo que a gente não se dê às vezes e eu discorde de muitas coisas que ela faça. Ela era pianista quando tinha minha idade, mas parou de praticar quando eu nasci. Cresci com meus dois avós maternos e a minha tia, que é como uma irmã mais velha pra mim. Alguns anos depois meu irmãozinho nasceu – de um relacionamento que minha mãe teve – e ele é a pessoa que eu mais amo no mundo todo.
Qual foi seu primeiro contato com arte?
Eu gosto de desenhar desde criança, de ter contato com arte pra não me sentir só. Ficava muito tempo em casa, e criava historinhas, personagens imaginários e sempre desenhei muitos corpos de meninas. Desde criança acho o corpo feminino muito bonito, macio, não sei explicar. Não encarava com um olhar sexual, mas sim com um olhar de admiração. Também desde cedo comecei a me desenhar, figuras tortas no canto do caderno que foram se aprimorando com o tempo e com muita prática, não por determinação, mas porque não tinha nada melhor pra fazer mesmo hahaha.
Além do desenho qual outra linguagem artística você gosta?
Música também é algo muito importante pra mim. Desde quando ganhei meu primeiro computador no início da adolescência, música se tornou meu hobby principal. Conhecer bandas, ouvir discografias, sentir o som que outras pessoas produziam era uma forma de me sentir mais próxima delas. E música também foi o veículo pelo qual conheci meus melhores amigos, seja em shows, grupos que falavam sobre, ou usando camisetas de bandas que pessoas viam, se identificavam e puxavam assunto comigo hahaha. Sempre sonhei em trabalhar com algo relacionado a isso, mas me falta tempo, incentivo e talento.
Como é sua rotina em Goiás?
Minha rotina é meio chata e monótona, não tem nada muito interessante. Acordo muito cedo porque moro em uma cidade e estudo em outra, então pego ônibus e estrada todo dia pra ir pra aula. Às vezes dá um desânimo, mas eu me esforço pra conseguir encontrar algo de bom no meu trajeto senão não aguento. Conhecer o feminismo foi bom pra mim por isso, me fez expandir minha visão de mundo e me fez conhecer muita gente aberta a dialogar e a acrescentar coisas novas na minha vida.
Estuda ou já estudou algum curso acadêmico?
Já comecei o curso de Jornalismo, mas não concluí. Sempre quis explorar meu lado criativo, e achava que na Comunicação Social iria conseguir isso, mas me enganei. Minha primeira experiência com o ambiente universitário me fez muito mal, e eu mal conseguia ir pra aula. Fiquei bastante desiludida com muita coisa nessa época, com a instituição, com as pessoas que lá estavam, com os métodos de ensino. Larguei o curso e dei um pulo nas Ciências Sociais, mas também desisti. Daí, decidi parar de tentar nadar contra a corrente e prestei vestibular pra Artes. Me formo no fim do ano.
Tem projetos artísticos?
Já tive vários bem megalomaníacos que ficaram só na minha cabeça e nunca foram pra frente, mas é só porque eu sou uma pessoa com uma imaginação muito fértil e que viaja muito hahaha. Também sofro de um mal chamado procrastinação, e é bem complicado pra mim finalizar as coisas ou seguir em frente com alguns projetos.
No momento estou finalizando minha monografia em artes, e esse tem sido meu projeto artístico principal. Eu busco através do desenho – que, pra mim, uma das linguagens mais íntimas e sensuais porque lida com meu toque acariciando o papel – falar sobre amor, sobre essa busca pelo amor através do sexo, e de como o erótico funciona como o escapismo, algo sem utilidade definida nessa sociedade de consumo e que brota como um subterfúgio, um jeito de encontrar no outro um carinho, uma continuidade no outro. Não dá certo sempre, mas quando dá é muito lindo.
E o futuro?
No futuro quero muito trabalhar com alguma coisa envolvida à música, que pra mim é uma das coisas mais lindas que essa podridão da humanidade conseguiu produzir. Tenho vontade de mexer com música ambiente e experimental, associar isso com instalação artística, não sei direito. É só pensando alto mesmo, antes de levar isso pra frente preciso deixar meu passado pra trás e resolver o presente.
Como é sua pratica no movimento feminista?
Acho que desde quando comecei a me envolver com movimentos sociais e com o feminismo, praticar se tornou algo natural pra mim, algo que faço sem perceber e que já é parte do que sou e do que acredito. Não é nem uma questão de ir até as pessoas e tentar fazer a cabeça delas a todo custo, mas nas minhas conversas diárias, nas minhas relações, no meu consumo cultural, tento desconstruir meus próprios privilégios e apontar pros outros coisas problemáticas que eles estão fazendo e nem percebendo. Às vezes sinto que virei a chata do rolê porque não acho mais graça em certas piadas ou comportamentos, mas é isso aí.
Já sofreu algum tipo de discriminação?
Por ser negra e mulher sofri bastante com a intersecção dos dois ao longo da vida. Misoginia e racismo já são coisas bem feias quando encarados de forma isolada, juntos são terríveis. Desde criança ouço insultos na escola como “escravinha”, “macaquinha”, “nega preta” e as outras crianças adoravam jogar coisas em mim pra me humilhar, me chamar de feia pelo meu cabelo crespo e meus traços, e me mostrar que aquele lá não era meu lugar. Minha aparência sempre foi um problema pra mim por causa dessas coisas, e demorou muitos anos pra que eu gostasse de me olhar no espelho, que eu pudesse tirar fotos e me sentir confortável no meu corpo. Desenhar me ajudou nisso, porque no papel eu conseguia representar meu corpo e, de certa forma, dominá-lo com a mão e o lápis.
Cresci em uma família com boas condições financeiras, o que me levou a frequentar desde muito cedo ambientes classe média e majoritariamente brancos. Não posso dizer que não tive privilégios comparados às pessoas negras mais humildes ou da periferia, como ter uma ótima educação e uma casa confortável pra morar, mas uma criança negra em um ambiente assim sofre bastante por “não se encaixar” ecresce traumatizada, sem referenciais negros fora da família e sentindo que não faz parte daquele mundo. Infelizmente a maioria das pessoas brancas, até inconscientemente, gostam de “te colocar no seu lugar” o tempo todo, e isso é bem complicado.
Quando se trata de crianças acho isso muito mais cruel, não porque crianças são ruins, mas porque elas não têm filtros e captam o que os pais falam ou o que a televisão mostra, reproduzindo discurso opressor sem perceber. Ter que absorver certas coisas na sua fase de formação enquanto indivíduo também é muito difícil. Crianças são ensinadas que devem ser amadas, não que são feias ou inadequadas. Acontece um choque dentro de você muito grande quando isso acontece, e é muito triste.
Agora já na adolescência e agora na vida adulta o preconceito se disfarça de outras formas. A agressão passa a ser menos direta e se introjeta na nossa vida social como uma erva daninha mesmo. É comum ser hiperssexualizada pelos homens, ser chamada de “moreninha”, ser a mulher “pro sexo” e nunca a “pra namorar”. Já passei por muitas situações desagradáveis em relacionamentos que minhas amigas brancas não têm nem noção e que meus companheiros deixaram claro que estavam acontecendo pelo fato d’eu ser negra. Tipo eles “sonharem em pegar uma pretinha”, que nós somos mais “fogosas”, que não podem se comprometer com você, mas que podem te pegar escondido da namorada branca, etc. Vai ver é por isso também que tenho uma relação meio diferente com o sexo, aprendi a criar um juízo de valor pra ele, por mais sacanagem que eu faça, e a encarar o contato com o outro com mais carinho e mais respeito.
Também é bem chato quando se está em um ambiente elitizado e você não encontra nenhuma moça como você, só as brancas, lisas, alternativas sendo chamadas de bonitas. Dá um balanço na autoestima tudo isso, às vezes vem um amargor, uma raiva, mas é uma luta diária pra não ficar pra baixo. Tem dias que a gente ganha, tem dias que a gente perde. Ser mulher e negra é pesado, é solitário, mas estou aqui há 23 anos (quase 24) e vamoS que vamoS!
As pessoas te vêem diferente ou falam pra você positivamente ou negativamente sobre seu emponderamento?
Com certeza me vêem diferente. Tem os dois lados da moeda. Muitas pessoas me elogiam bastante pela minha postura e pela minha consciência política, admiram a força que tive pra me assumir finalmente minhas bandeiras, pra lutar por elas e pra tentar conscientizar outras moças. Até minha família, conservadora em muitos aspectos, me respeita pelos meus ideais e pelo meu posicionamento com relação a certos assuntos.
Hoje muitas mulheres (da faculdade e de círculos sociais próximos) passaram a me procurar para pedir conselhos com relação à relacionamentos, contraceptivos, saúde feminina e até mesmo me pedindo dicas com relação à militância, como começar, como participar, o que ler. Me sinto muito honrada e importante quando isso acontece. É como se eu pudesse, de fato, fazer a diferença na vida de alguém, nem que seja indicando um bom livro que possa inspirar uma pessoa. Aliás, acho que inspirar as pessoas é meio como um sonho pra mim, um objetivo de vida utópico, porque acredito que a inspiração certa pode mudar a vida de alguém.
Agora a parte negativa da militância é a clássica: gente me chamando de “feminazi”, que eu exagero, que é vitimismo, que eu vejo cabelo em ovo, blablabla. No começo me chateava bastante com elas, hoje só ignoro e sinto pena. Criar uma consciência social e política me fez crescer muito como pessoa, lamento por quem não se dá uma chance e não tenta sair do seu mundinho limitado.
Qual é a mensagem que você nos traz para todas as mulheres que estão começando ou já estão no meio artístico?
Acho que o mais importante de tudo é jamais deixar de praticar a linguagem que escolheu – seja desenho, graffiti, pintura, escultura, dança, performance. Eu não acredito em talento, acredito em aptidão. Acho que as pessoas talentosas são as que se dedicam ao que amam e tentam melhorar a cada dia, fazendo coisas bonitas pra todos nós. Quando se é mulher e negra entramos em um circuito artístico – seja ele qual for – vemos que grande parte das pessoas que lá estão são brancas, cis e ricas. Não podemos desanimar nunca, nem nos sentirmos inferior ou deixar alguém nos diminuir. Mostrar que mulher negra faz arte é importante. Nós também somos sensíveis, também produzimos e podemos mudar o mundo com nossas ideias e nossas produções.
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