STÉPHANIE PAES
- Arte: Ana Maria Sena
- 14 de abr. de 2015
- 2 min de leitura

Foi muito cedo que eu percebi que era negra. Sou curitibana, uma cidade predominantemente branca (e que se esforça a esconder o mínimo de negritude que possui). Eu posso dizer que não vivo apenas como uma minoria política, eu cresci sendo minoria quantitativa. Não era só nas revistas e programas de TV que eu não me reconhecia. Eu não me via em praticamente lugar nenhum. A quantidade de indivíduos negros era tão baixa que eu, logo que aprendi a contar, adquiri o hábito de registrar mentalmente quantas pessoas negras eu havia encontrado ao longo do dia, ou no decorrer de um passeio. Durante os primeiros anos da minha vida, eu e meus pais morávamos no mesmo terreno da casa dos meus avós, juntamente com outros tios.
Após alguns anos nos mudamos para a Cidade Industrial de Curitiba, bairro periférico localizado na Zona Oeste da cidade. Com essa mudança eu comecei a me ver mais. Nós negros ainda éramos minoria, mas pelo menos eu conseguia contar mais de 10 por dia. Foi ali que eu conheci e me apaixonei pelo rap, foi ali que eu aprendi a jogar bola, foi ali que eu fiz minha primeira trança raiz, foi ali que eu fiz minhas primeiras amizades verdadeiras, com gente que parecia comigo. Eu lembro que meu mundo se resumia em brincar com as outras crianças da rua, eu lembro de ser feliz. Com 11 anos de idade eu conquistei minha vaga no disputadíssimo Colégio Militar de Curitiba. E foi ali que tentaram me ensinar que mulher preta periférica tem lugar. Também foi ali que eu descobri que tinha voz, tinha poder e tinha dendê.
Assim nasceu a Stéphanie que as pessoas conhecem hoje, a militante, a feminista, a que luta pelos direitos das minorias. Foi do choque de realidade entre periferia / classe média, entre ser uma criança negra e ter homens brancos fardados gritando comigo, que surgiu meu combustível para afrontar contra discriminações e atrocidades. Foi nesse mesmo período que eu tive força para começar a questionar discursos discriminatórios dentro da igreja que freqüentava com meus pais, e que percebi que enquanto eu estivesse sob ordens de um comandante e de um pastor eu nunca teria liberdade para ser eu mesma. Todo o meu processo de aprendizado (que continua até hoje e continuará até meu último dia nessa vida) foi essencial para que eu me tornasse a mulher negra que sou hoje.
A transição para tirar a química dos cabelos, a ruptura com a religião cristã da minha família, o distanciamento com pessoas que sempre foram tóxicas. Além dos vários rompimentos, eu tive muita ajuda, apoio e inspiração para entender quem eu sou, para me amar, para aprender que eu podia ser quem eu quisesse, por tudo isso eu sou grata, e sou quem sou. Hoje eu curso Serviço Social, pretendo trabalhar com a população carcerária, principalmente com mulheres negras. Minha vida é dar continuidade na luta que travei desde muito cedo contra tudo que tenta nos manter acorrentadas.
O caminho é difícil, mas resistência é o que me move. Que venham outras lutas!
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