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ALINE SOUZA - LINOCA

  • Phran Noctuam
  • 10 de abr. de 2015
  • 7 min de leitura

Aline Souza, 25 anos, é grafiteira, designer, artista plástica, moradora da zona sul de São Paulo, já trabalhou como educadora em exposições de instituições culturais, acabou de lançar o fanzine Pecados Capitais por Linoca.



Como começou o nome Linoca?



Meu nome é Aline, mas em 2008 começaram a me chamar de Linoca por causa do meu envolvimento com o graffiti, que também começou nesse momento.



Qual foi o trajeto que você como mulher negra realizou para chegar no seu estilo artístico de hoje?



Prestei administração na ETEC com 15 anos e não passei, ainda bem (risos). Terminei o ensino médio em 2006 eu tinha 17 anos, ai começou a pressão de ter que fazer faculdade, escolher uma profissão, escolher o que vai fazer da vida. Mas eu sempre gostei de coisas que me dessem a oportunidade de desenvolver e estimular a minha criatividade, enfim, queria fazer algo ligado a isso, no entanto, naquela época eu não conhecia nada de design, nada de arte, não sabia dessas coisas, então eu acreditava que publicidade e propaganda seria a melhor escolha, o mais apropriado.


Quando terminei o ensino médio fiquei um tempo sem estudar e sem trabalho fixo, fazia alguns trampos de artesanato e decupagem, que eram a minha maior aproximidade da arte até então, fazia para levantar uma grana até começar a trabalhar com alguma coisa fixa. Consegui um emprego e na mesma época, com 18 anos, prestei novamente o vestibulinho da ETEC Carlos de Campo no Brás, para Design Gráfico, só que naquele tempo eu não tinha dinheiro, pois morava eu meu pai e minha mãe, mas pagávamos aluguel e tinha todas as contas da casa e eu tinha acabado de entrar no trabalho, não tinha condições para fazer o curso, porque mesmo sendo gratuito tem uma lista de mais ou menos 200 reais de materiais para comprar, mais condução e alimentação, fiquei super mal por não fazer o curso.


No semestre seguinte prestei novamente, só que para design de interiores, mas perdi o dia da matrícula (risos). Não desisti, pois o que mais me motivou é que era grátis, não tinha noção de qualidade de ensino ou das diferenças entre o ensino público e particular, hoje eu entendo que o ensino da ETEC é muito bom.


Resumindo eu consegui fazer design de interiores da ETEC Getúlio Vargas, que foi a primeira ETEC a trabalhar com artes, depois ficou mais na parte industrial e hoje o curso que ela mantém em artes é o design de interiores. Mas, é importante ressaltar que ela e outras ETECs que tem cursos de artes são elitizadas, pois são mais próximas do Centro de São Paulo, não tem nenhum curso de artes, por exemplo, na ETEC do Capão Redondo, são mais cursos técnicos, para trabalho mesmo, muito fechado sem tanta exigência do pensamento crítico.


Depois do primeiro semestre do curso eu comecei a dar aula no telecentro, dava aula de informática, era no bairro Campo Limpo perto de casa, uns 10 minutos, mas eu demorava quase 2 horas para chegar ao Ipiranga onde ficava a ETEC, pois era no horário de pico, isso fez meu rendimento cair muito.



Como era a convivência na ETEC e que influência ela teve para a esfera crítica e política da sua arte?



A galera que estudava comigo uma parte era nova e ainda estavam no ensino médio, ou seja, tinha tempo para estudar, e a outra parte ou já estava no ensino superior fazendo Mackenzie ou só trabalhava e morava perto. Tinha uma garota que era da área da fisioterapia, mas ela resolveu fazer design de interiores e a irmã dela era arquiteta então na metade do tempo dela ela fazia estágio no escritório da irmã e na outra ela fazia os trabalhos.


Nesse período, comecei a ter mais contato com a cena do HIP HOP, porque até então eu era mais envolvida com o Punk e Hardcore, em 2008 eu já tinha começado no projeto pixote com graffiti que surgiu o apelido Linoca, mas em 2009 eu comecei a sentir essa diferença, a montar o quebra cabeça, me perguntei o porque que eu tinha que levar 2 hora pra chegar no curso, porque mesmo me esforçando meu rendimento estava caindo, ai eu vi um menino, por exemplo, que tinha feito Mackenzie, tinha trancado o curso, mas as notas dele eram muito melhores o ritmo dele era outro em relação a trabalho.


Já existia uma galera trampando na área e eu não me sentia com competências para trabalhar na área, todo mundo falava pra eu procurar estágio, mas eu não me sentia segura para trabalhar com aquilo, por ser design de interiores eu tinha um desfalque enorme pela escola pública, eu não sabia calcular área que é o básico, uma variedade de coisa que tive que ver duas vezes. Então terminei o curso e meu TCC foi muito ruim, ruim mesmo, hoje eu faria novamente, mas também tenho outras experiências e visões sobre aquilo.


E depois fiz ETEC de novo, porque eu não estava na área, não me sentia competente para atuar, não estava ganhando grana para fazer em outro lugar e também por não saber exatamente o que queria fazer de curso superior. E quando voltei a estudar entrei no curso de Comunicação Visual, eu já desenhava por causa do graffiti, mas eu queria jogar várias ideias só não sabia como.


Esse curso técnico de Comunicação Visual era o design gráfico, ele teve que mudar de nomenclatura por causa do ensino superior que já se chamava assim. Fiz 1 ano e 6 meses na ETEC Dra Maria Augusta Saraiva que fica no Centro, e lá era bem diferente, porque o que tinha de pessoas elitizadas na GV, tinha de pessoas das periferias lá, pois ela era nova, só tinham cinco cursos, era mais fácil, não tinha muito renome e nem concorrência, por isso, essas pessoas que moravam em bairros mais longes tentavam lá, mas a qualidade de ensino era o mesmo. Era uma galera que tinha mais noção da realidade, passavam pela mesma dificuldade.



O que te fez despertar para as questões sociais que vivia e desenhar sobre isso?



A partir dessas vivências eu comecei a desenvolver as ilustrações com base nas dificuldades que eu vivia, nos questionamentos que eu fazia a mim mesma sobre as desigualdades, sobre o porquê eu sempre tinha que estudar no Centro e não perto de casa, por exemplo. E nesse período eu estava estudando mais ainda as questões feministas, eu já tinha uma noção, já participava de alguns movimentos, mas não me sentia inserida porque todas as discussões eram no Centro, na Vila Madalena e com isso comecei a pensar sobre os problemas das mulheres negras, das mulheres periféricas, o porquê que lá na periferia não tinha isso, porque era e ainda é tão distante. Eu participei de muitos grupos, ia à feira anarquista onde acontecem vários debates feministas, mas você chega lá e só tem mina branca, o que é bem legal, mas fica fácil conversar por exemplo com uma menina da Vila Madalena que já passou por várias questões básicas, já leu muita coisa, é fácil falar sobre aborto, enquanto na periferia ainda estamos aprendendo sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, tudo isso.



Pelo que conversamos você gosta bastante de rock, o que você acha dele referente aos negros hoje?



Entre os estilos de música eu acho que o rock é um dos mais ditadores de uma elite branca, eu noto muito isso, pensando no underground, as bandas de metal, não tem negro, são em sua maioria brancos. Mesmo tendo em sua base a música negra, é como se o padrão do rock não englobasse os negros. O período do emocore, por exemplo, eu via várias pessoas de cabelo bastante crespo alisando o cabelo para ter franja e como isso agride a estrutura do cabelo e dependendo da textura do cabelo existe uma dificuldade em alisar. No próprio filme do Tim Maia tem essa cena que ele quer ser parecido com o Elvis Presley, tem também um filme que se chama Sobre Cafés e Cigarros, são 11 curtas dentro do filme, que tem uma cena que aborda o racismo do Elvis e cita vários cantores negros que deram origem ao rock.




Você fez bastantes cursos, qual deles mais te influenciou sobre o estilo de arte que tem hoje?



O curso mais importante pro meu desenho hoje foi o de Comunicação Visual, o que me ensinou um desenho mais livre, traço, história da arte, fotografia, sobra, volume entre outras coisas, luz, sobre, cor, formas, uso dos materiais, o que eu tive de mais técnico foi o Software. Além, da vivência de trabalhar em grupo, fazer o TCC, que no meu caso foi criar toda a linguagem visual de um estúdio de tatuagem, me ajudou muito, mesmo, eu era muito limitada, não mostrava meu desenhos pra ninguém e agora ainda sou um pouco mais to melhorando.



Você tem uma definição pro seu estilo?



Nossa, nunca me perguntaram sobre isso, acho que ainda não sei me definir, talvez eu esteja seguindo uma linha de arte contemporânea independente. Minha arte, meus desenhos falam bastante da mulher, mulher periférica e das dificuldades ou preconceitos que ela sofre e isso é contemporâneo e cada vez mais há uma necessidade de ser transformado. O que faço tem a ver com todos esses momentos que vivi entre bairro e centro, entre ir e não se sentir inserida no movimento por ser tão distante da minha realidade.



Qual a sua visão sobre a relação da mulher com a arte?



As mulheres nas artes ainda é algo limitado, no graffiti alguns caras elogiam a arte da menina pra dar ideia nela, mexem com elas, o que não aconteceu comigo por eu conhecer desde sempre alguns grafiteiros e ser bem amigas deles, e os outros caras não me atingiam tanto por respeitarem esses caras, o que não deixa de ser uma opressão também. Já ouvi muita coisa com outras minas, tipo: Até que sua arte é legal por ser uma mina, ou porque você não vai pra casa invés de ficar sujando a unha. Na música eu também vejo muito isso, no RAP mesmo, as meninas para fazerem algum sucesso têm que ter uma postura masculina, claro que também é a personalidade da menina, mas o meio influência muito.



Qual mensagem você tem para as mulheres que estão começando a produzir algum tipo de arte?



Não desista, nunca desistir, a gente aprende que tudo é limitado, a escola nos limita, muitos dizem que quem vai trabalhar com arte nunca vai ganhar dinheiro com isso, que é necessário ter um emprego, que não vai trazer felicidade, que pra fazer arte tem que ter nascido em um berço de ouro, e pensando em uma mulher periférica, ela provavelmente não veio do berço de ouro, é caro mesmo, os materiais são caros, pensando que uma caixa de lápis de cor custa 40 reais e a gente ainda tem que colocar dinheiro no bilhete único, tem as opressões da família das pessoas próximas, mas não podemos desistir, esse é o primeiro passo, buscar apoio, buscar referências e conhecer outras mulheres que também fazem arte.


É importante tentar se desconstruir como artista o tempo inteiro também, existe uma escola de arte que temos que passar para conhecer e saber como é, o que nos estabelecem, o clássico e buscar formas e culturas diferentes para começar a nos refazer, a nos descobrir.




VEJA AS FOTOS DO TRABALHOS DA ARTISTA NA NOSSA GALERIA




 
 
 

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