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LUEDJI LUNA

  • Phran Noctuam
  • 28 de mar. de 2015
  • 6 min de leitura

Luedji Luna, com nome de rainha africana, nossa baiana de 27 anos é cantora e compositora. Está a um mês morando em São Paulo, com o objetivo de realizar o sonho de reconhecimento pelo seu trabalho musical que combina MPB com a improvisação do jazz.


"Sou apaixonada pela minha terra, da nossa relação com a natureza, da nossa relação com a espiritualidade."



O que significa seu nome?



Meu nome significa amizade, faz referência a uma rainha africana que reinava a região do povo Lunda, onde hoje fica situado o país Angola.



Qual é a história da sua militância, a origem dela?



Sou filha de dois pais maravilhosos, de uma mãe negra e empoderada. Eles se conheceram nos movimentos de bairro e no contexto dos movimentos surgidos na década de 70, formação do partido dos trabalhadores e do movimento negro. Minha mãe se formou em economia, por causa do Karl Marx que era economista, hoje ela se arrepende, ela era jovem e cheia de sonhos como eu, foi a única formada da família dela, pra estudar ela escondia os livros por que as garotas do bairro pobre onde ela vivia faziam chacota dela, meu pai graduo-se em história e química industrial, é funcionário da Petrobrás a mais de 20 anos. Quando minha mãe engravidou estava com 27 anos, a idade que tenho hoje, rs, sou filha dessa militância.


Hoje milito com minha arte, tenho um trabalho de dramaturgia com Emillie Lapa (cantora, atriz e musicista), é o Coletivo Abô, nós trazemos todas as nossas ancestrais ao palco, numa espécie de roda de mulheres, e damos voz a elas nessr espetáculo que traz textos de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e muita música.



O que te instigou a cursar a faculdade de Direito? E quantos preconceitos enfrentou?



Sempre fui incentivada e educada para ser juíza, diplomata ou qualquer outro cargo de muito prestígio, que muitas vezes não são ocupados por negros, esse era o projeto da minha família. Meus pais conquistaram tudo pela luta e pelos estudos, por entenderem o atraso social da comunidade negra queriam que eu alcançasse esses lugares de poder para mostrar nossa capacidade de conquista. Por isso estudei nos melhores colégios, fiz inglês e espanhol, fiz intercâmbio, e o objetivo sempre foi a universidade pública, então ao 18 anos passei em segundo lugar no curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia(UNEB).


Por essa razão, sempre transitei e vivi em um universo branco, sempre a única negra ou quase única nesses espaços, sofri muito, principalmente na adolescência, sofria bullying com minha beleza, sempre fui à feia, a indesejada, independente de minha mãe me vestir com as melhores roupas e eu estar em igualdades de condições financeira e intelectual, era condenada ao ostracismo, em um determinado momento da minha vida, ir pra escola era o mesmo que ir pra forca. Com 17 anos prestei pra psicologia com o intuíto de ajudar pessoas que sofreram como eu na experiência escolar. Mas, não passei de primeira vez, era necessário ser uma universidade pública, por que eram as melhores e porque nós não estávamos ali, na época não existia cota. Depois meu pai me incentivou a fazer Direito, dizia que eu escrevia bem e gostava de ler, resolvi seguir por esse caminho, por compreender a importância desse projeto, mas meu coração já sabia a verdade.



O que fez você ir para a esfera da arte de compor, de cantar, a arte da música?



A música sempre me tocou, lembro da minha mãe colocando música clássica pra eu dormir, e como aquilo me sensibilizava, tocava minha alma. Certa vez, com dez anos de idade, a professora colocou uma música de Milton Nascimento em homenagem ao dia do estudante, e eu me lembro de chorar aos prantos, enquanto que as outras crianças não entendiam nada, rsrsr, nunca me esqueço desse dia. A música sempre me deu sentido de existência.

Porém, esse sonho deixei em segredo, eu tinha seguir os planos.


Mas, quando já estava cursando direito entrei em contato com amigos que produziam artes e que de certa forma me instigaram a produzir também. Comecei com poesia e depois composição de música, a primeira se chama Pele, fiz com 17 anos depois do meu primeiro beijo. Minha vida sexual começo tarde comparada com a vida das meninas da mesma época que eu e isso foi bastante marcante pra mim.


Depois desse momento, tive um despertar com 22 anos, comecei a cantar, me interessei por cantar e na mesma semana me inscrevi em aulas de canto e estou nessa até hoje, já me apresentei em alguns espetáculos de Salvador e em barzinhos.



Como foi essa mudança para São Paulo?



Começou com a criação de um coletivo que fiz em Salvador, o MOVA – Mulheres, Orgânicas, Versus, Anônimas, que nasceu da necessidade de se conhecer e incentivar mulheres compositoras, pois sempre vemos as mulheres como interpretes, mas temos as mulheres que compõe, mas pela sociedade não valorizar os sentimentos das mulheres, essas compositoras são desconhecidas e o MOVA tem como foco disponibilizar essas composições pela internet.


Infelizmente por causa de recursos limitados, logística o projeto está arquivado, mas temos bastante material guardado para quando retornarmos.


Mas, foi através desse projeto que conheci a Verona Reis, que também compõe e canta, desse contato comecei a participar do projeto Uns Zanzoutros, que também tem como pretensão a destacar as composições, mas nesse projeto homens participam. E com esse projeto fomos convidados a participar do Tributo novos baianos em São Paulo, e ao participar percebi que aqui é o lugar para investir na carreira musical.


Na Bahia existe uma elite de cantores representantes da cultura musical baiana, que é o mercado do axé (nada contra esse estilo, mas essa parcela não corresponde com a totalidade cultural da Bahia, até porque a maioria dessas cantoras são brancas, sendo que a Bahia é o lugar fora do continente africano que mais tem negros.



Você falou sobre a homogeneidade do estilo Axé na Bahia, do qual você não se identifica, qual é o seu estilo e referências para a construção dele?



Autoral, eu componho todas minhas músicas, meu estilo se baseia no MPB clássico com Jazz, gosto muito da democracia dos instrumentos no Jazz, o solo de cada um, do trompete, dos sopros, nas apresentações costumo improvisar um pouco, tenho como referencia de artistas que bebem da África, como Mayra Andrade e Tigana Santana.


Meu pai é amante do reggae e daí que sai meu amor pelos sopros, minha mãe gostava de música erudita e me fazia ir a concertos, espetáculos clássicos, mas eu também era curiosa, sou até hoje, sempre busquei coisas novas e diferentes, como por exemplo o flamenco, rock roll, manifestações culturais: samba de roda, coco, maracatu.


Minha música conta um pouco dessa história.



Sobre o que suas letras falam? Quais são os temas?



No meu processo de composição não passo pelo racional, o que tem de ser dito já existe, apenas transpomos para o papel. Minha música fala da natureza das coisas, o físico, o íntimo, o profundo, tragos os elementos da natureza, dialogo com o vento, com as águas, que pra mim são elementos vivos. Mas, o que mais vem é a minha solidão, a solidão da mulher negra de um modo geral, essa solidão que nos une que está presente em todas as áreas da nossa vida, não só nas relações, mas nos ambientes onde não somos desejadas, como as universidades, os empregos de altos cargos, na política e porque não dizer na música, afinal quantas cantoras negras não sambistas têm visibilidade?



Você falou que fez intercâmbio, onde foi e como foi?



Foi para o Canadá, fui estudar inglês lá, mas aprendi muitas coisas, pois lá tinham muitos brasileiros, brancos, e com isso aprendi com o diferente já que os meus iguais não me viam como igual a eles, os brasileiros fingiam não me ver, não falavam comigo e por muito tempo fingi não ser brasileira pela vergonha que eles me causavam, eles não queriam saber de estudar, era só festa, bagunça e só falam português, eu estava lá pelo esforço dos meus pais, tive que trabalhar para me manter, não tinha tempo para essas coisas, então falava que era de Cuba ou algum país desse tipo. Mas, fiz amigos, alguns russos e uma colombiana que eram bem mais conscientizados do que “meus iguais”.



O que você tem a dizer para as mulheres negras que terão contato com nossa conversa?



Ser negra não está na pele, é uma responsabilidade, um compromisso, é uma estar no mundo. Ser negra com cabelo 4c não foi suficiente, ter tido pais militantes não foi o suficiente, a ancestralidade em algum momento da vida lhe cobra uma posição. Também queria cantar o trecho de uma música de uma cantora/compositora preta, rasta e linda de lá da minha terra, Aline Lobo, que diz assim:


"Seguir o caminho que lhe faz feliz, Já é por si só a força motriz, que enfrenta a força bruta, mulher sem medo, mulher sem culpa. A gente pode, mulher! A gente é forte, ô, se é! Por que a dor deixa tudo mais caro. A cor deixa tudo mais claro. O amor deixa tudo mais calmo. Na rua..."








 
 
 

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