ANA VERÔNICA
- Arte: Ana Maria Sena
- 21 de mar. de 2015
- 2 min de leitura

Tive algumas tentativas frustradas de começar a escrever a minha história, mas aí lembrei/senti o amor de tantas mulheres que têm contribuído para que eu chegasse ao meu lugar secreto, ao esconderijo cruel da opressão e enfrentasse a dor e aspirasse à liberdade, reconhecendo dentro de mim que eu posso e tenho direito ao amor, além da resistência e da luta.
Então quero começar a contar minha história por uma das minhas imagens mais dolorosas, as lembranças da minha infância que não foi nada fácil, eu entre quatro irmãos do mesmo núcleo familiar. Falo do mesmo núcleo familiar porque somos vinte irmãos de um único pai que se relacionou com seis mulheres, sempre fui à preterida por causa da minha cor da pele mais escura. Diante disso, acabei funcionando por muito tempo como bote expiatório para todos, afinal alguém teria que se sentir o lixo da família, a reprodução do racismo pelos meus irmãos, os que “deram certo”, eles tinham onde despejar o ódio que recebiam da rejeição social, eu estava lá para receber o que eles não queriam aceitar e nem eu (ser negro/negra), parecíamos fugindo do cabelo duro” e eu era sempre eleita para este lugar.
Na infância, eu já havia aprendido a odiar muito cedo, eu odiava a minha família, eu odiava a minha mãe, eu odiava os meus irmãos, eu odiava meu colégio, eu consequentemente aprendi a me odiar e entendi que esse sentimento também me fazia sobreviver e me proteger da rejeição (ah se eu pudesse ter escolhido o amor... mas amar não era pra mim, me disseram isso de diferentes formas). Eu posso dizer que recordo de poucos bons momentos da infância, eu já tinha aprendido que ser negra é ser feia, e sem espaço para ser feliz e amar, então estudar foi uma das alternativas.
Minha mãe me fez entender isso muito bem, minha adolescência inteira era para me preparar para ser uma mulher independente (estudar e passar no vestibular em uma universidade pública. Era isso!). Logo que passei no vestibular fui morar longe da minha família, descobri muitas coisas sobre mim, e foi onde descobri que além de ódio e dor, havia desejo e amor. Depois daqui há uma série de coisas importantes sobre mim, mas há uma que é bastante significativa, que foi redescobrir a textura do meu cabelo (faz pouco tempo que cortei, e aí olhei para mim e revisitei a minha infância, a tão odiada infância, surge um desejo de ressignificar as dores de “toda” uma vida).
Agora ando conversando comigo, sendo generosa com meu amor próprio, queria poder dizer que está sendo tudo belo, mas não está ainda dói, mas hoje o meu olhar sobre mim é de respeito.
Muito respeito.
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